Ainda faltam dois meses, mas, a julgar pelas impressões de
grande parte dos ambientalistas, a Conferência das Nações Unidas sobre
Sustentabilidade, a Rio%2b20, não deve resultar em grandes avanços na questão
ambiental. Enquanto a organização local e o comitê da ONU para a conferência
mantêm discursos otimistas, defensores da natureza reclamam da falta de espaço
para discussão e preveem poucos resultados. Lidar com esse tipo de expectativa
e com o risco de esvaziamento da conferência é uma problema a ser enfrentado
pelo Brasil para evitar que, diferentemente do que ocorreu na histórica ECO92,
a Rio%2b20 naufrague antes mesmo de começar.
A ONU, pelo menos oficialmente, mantém o otimismo a respeito
da reunião, que ocorrerá de 13 a 22 de junho no Rio de Janeiro. "O que eu
posso dizer com base no que tenho ouvido dos negociadores é que a maioria deles
querem avanços ambiciosos", diz Brice Lalonde, coordenador executivo da
conferência. "Claro que teremos de esperar o fim do encontro para dizer se
os avanços são ambiciosos ou não, mas a porta continua aberta", pondera
(leia Três perguntas para).
Especula-se que a conferência possa não ter a força e a
participação que se deseja. Um sinal dessa tendência é a ausência do
primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, divulgada pelo jornal
britânico The Gardian. A reunião de cúpula na Rio%2b20, inicialmente marcada
para 4 e 5 de junho, foi transferida para os dias 20, 21 e 22 para que não
coincidisse com o jubileu da Rainha Elizabeth II, o que tornaria a vida de
Cameron e dos mandatários de outros 14 países inviável. Mesmo com a mudança, o britânico
é a primeira baixa confirmada na reunião. Na tentativa de atrair mais chefes de
Estado, a presidente Dilma Rousseff e o ministro das Relações Exteriores,
Antônio Patriota, têm conversado pessoalmente com líderes durante suas viagens.
A conferência enfrenta ainda protestos de que o debate
ambiental está em segundo plano. O tema da Rio%2b20 é Desenvolvimento
Sustentável e Combate à Pobreza. "Há uma preocupação com a agenda
histórica de 1992, com o exílio da problemática ambiental na Rio%2b20. O tema não
precisa ser colocado em oposição ao desenvolvimento sustentável. Não há como
discutir crise econômica sem discutir a crise ambiental", reclamou, na
semana passada, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, no lançamento do
documento "Rio mais ou menos 20".
O secretário executivo da Comissão Nacional para a Rio%2b20,
embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, rebate que a organização da
conferência está aberta a sugestões e que o documento-base ainda não está
fechado. "Até agora, recebemos mais de 6 mil páginas de contribuições,
somando todos os países e a sociedade civil", afirmou em entrevista
coletiva na semana passada.
Objetivos
Um aspecto que prometia dar mais substância à Rio%2b20 era a
criação dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos
por diplomatas da Colômbia e do Panamá. Nos moldes dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), eles seriam uma série de metas na área
ambiental com um prazo de execução definido. "Os objetivos de
desenvolvimento sustentável têm atraído bastante atenção de muitos países, e
todos parecem gostar da ideia", afirma Lalonde. Contudo, o que seria um
dos trunfos da conferência terá de esperar para virar realidade: o
documento-base, que está sendo formatado neste instante em Nova York, não deve
contemplar os objetivos. "Os ODS devem funcionar como uma espécie de
complemento dos ODM, propostos em 2000 e que deverão ser revistos em
2015", explica o diplomata francês.
O adiamento seria uma forma de ganhar tempo para discutir
melhor as novas metas. "Temos de ser muito sérios a respeito desses
objetivos. Eles não são apenas para os países pobres, mas para todos os países,
então teremos de encontrar formas de aferimento dos resultados,
consensos", justifica Lalonde. Ele ressalta, no entanto, que o tema estará
na pauta da Rio%2b20. "Acho que alguns objetivos, como o relacionado à
energia limpa para todos, podem ser tratados no Rio."
O sociólogo do Centro de Desenvolvimento Sustentável da
Universidade de Brasília (UnB) Elimar Pinheiro do Nascimento acredita que
poucos avanços devem ser alcançados na Rio%2b20. "Os governos têm como
principal interesse a sua reprodução de quatro em quatro anos. Assim, a menos
que haja uma forte pressão social, não haverá adoção de compromissos
amplos", analisa.
Para o pesquisador, as próprias bases do que se considera
desenvolvimento sustentável precisam ser revistas. "Todos os anos, 200
milhões de pessoas no mundo ascendem à classe média. Passam a comer, vestir-se,
consumir mais", lembra Nascimento. Assim, seria necessário rever não
apenas o modo de produção, mas os itens da pauta de consumo. "Não basta
fabricar um produto utilizando metade da energia se a demanda vai crescer 10
vezes. É preciso determinar o que deve ser estimulado e o que deve deixar de
ser produzido. Há, por exemplo, um excesso de carros, que deveriam ser
substituídos por meios de transporte coletivo", completa.
Para o sociólogo, o principal avanço da Rio%2b20 deverá vir
de um evento paralelo: a Cúpula dos Povos, que deverá reunir 30 mil agentes da
sociedade civil nos mesmos dias da conferência. "Será uma oportunidade
única do ponto de vista da mobilização social. A sociedade civil poderá
discutir com mais propriedade sobre os limites do crescimento, rever o modelo
atual", afirma o pesquisador.
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