terça-feira, 19 de junho de 2012

Rio+20 e o poder da mobilização social. Entrevista especial com Wagner Ribeiro

“A Rio+20 será lembrada na história ou como uma reunião que ‘deu conta’ de tratar dos problemas ambientais, ou como uma incapacidade dos países de lidar com a crise atual”, afirma o geógrafo e professor da USP.
 Na visão do professor Wagner Ribeiro, é preciso “aproveitar esse momento de mais uma manifestação da crise sistêmica internacional para reunir a sociedade civil e a sociedade organizada, os povos indígenas e pensarmos uma nova maneira de organizar a vida, porque a recorrência das crises tem sido de tal ordem que elas estão impondo a revisão de um novo modelo. E a Rio+20 é uma oportunidade importante, porque ela ocorre no meio da crise. Então, é realmente um momento adequado: a reunião certa, na hora certa, com o assunto certo e o lugar certo também”. Ribeiro fez essa e outras afirmações na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. Ele destaca que já existem novas formas de cooperação e que “os países é que estão atrasados, porque ainda estão trabalhando em uma perspectiva que não é mais possível para tratar dos temas atuais, que é justamente a de procurar salvaguardar apenas e tão somente os interesses de um grupo, quando, na verdade, alguns temas já estão sendo claramente apontados como de repercussão internacional e isso afeta muito mais do que a população de um país isolado: afeta a humanidade como um todo”. E constata: “a Rio+20 deve procurar corrigir os erros do século XX”. 
Geógrafo e doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP, Wagner Ribeiro é professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP. Obteve a livre docência também na USP, e realizou estudos de pós-doutorado na Universidad de Barcelona. É coordenador do Grupo de Pesquisa de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos Avançados da USP. É autor de, entre outros, A ordem ambiental internacional (São Paulo: Contexto, 2001).
Confira a entrevista

 IHU On-Line – Em que sentido o senhor identifica na Rio+20 uma oportunidade de  mobilização social?

Wagner Costa Ribeiro – Eu acredito que essa é a grande razão para que a Rio+20 ocorra. Nós temos que aproveitar esse momento de mais uma manifestação da crise sistêmica internacional para reunir a sociedade civil e a sociedade organizada, os povos indígenas e pensarmos em uma nova maneira de organizar a vida, porque a recorrência das crises tem sido de tal ordem que elas estão impondo a revisão de um novo modelo. E a Rio+20 é uma oportunidade importante, porque ela ocorre no meio da crise. Então, é realmente um momento adequado: a reunião certa, na hora certa, com o assunto certo e o lugar certo também.

IHU On-Line – Como a Rio+20 pode "oxigenar" o debate socioambiental atual?

Wagner Costa Ribeiro – O novo virá de várias formas. A sociedade civil é um ator importante, os estados também têm o seu papel, cada um tem um papel diferenciado e é evidente que quem implementa as ações são os Estados, mas nós temos também já hoje formas de cooperação que estão além dos Estados, se envolvendo, inclusive ONGs. Muitas ONGs trabalham já há algum tempo em cooperação, ONGs do norte com ONGs do sul, ONGs do leste com ONGs do oeste, enfim, vice-versa. Então, nós já temos novas formas de trabalhar. A própria universidade também já tem experiência bastante rica acumulada de como é possível desenvolver ações de cooperação, para pesquisas, transferências e desenvolvimento de conhecimento novo. Então, acredito que os Estados, na verdade, é que estão atrasados. Nós já temos novas formas de cooperação e os países é que estão atrasados, porque ainda estão trabalhando em uma perspectiva que não é mais possível para tratar dos temas atuais, que é justamente a de procurar salvaguardar apenas e tão somente os interesses de um grupo, quando, na verdade, alguns temas já estão sendo claramente apontados como de repercussão internacional e isso afeta muito mais do que a população de um país isolado: afeta a humanidade como um todo.

IHU On-Line – O que deveria fazer parte do processo de inclusão social com parâmetros ambientais?

Wagner Costa Ribeiro – A inclusão social deve estar pautada na geração daquilo que tem se chamado recentemente de “emprego decente”, que é basicamente um emprego adequado às demandas do século XXI. Insisto que a Rio+20 deve procurar corrigir os erros do século XX. Por exemplo, em vez de estimular a produção de automóveis, como está ocorrendo recentemente no Brasil, é preciso estimular – e aí o governo tem um papel fundamental – a geração de empregos para o saneamento básico, ou para melhorar a infraestrutura urbana, especialmente os transportes de alta capacidade, como o metrô. São ações concretas, justamente na direção da melhoria da qualidade de vida e da geração de empregos que não apostem no individualismo, mas que trabalhem questões de caráter coletivo. Continuar apostando no estímulo à produção de carros é errado, pois se induz ao transporte individual e ao consumo de combustíveis fósseis, o que não é um paradigma do século XXI. Outra possibilidade de gerar emprego seria na área de repotencialização de rios, renaturalização de áreas degradadas. Enfim, temos que pensar em empregos verdes.

IHU On-Line – Que análise deve ser feita da Rio+20 em função da mobilização social que ela vai gerar?

Wagner Costa Ribeiro – A sociedade civil avançou muito nos últimos 20 anos. Hoje temos redes organizadas, ONGs que trabalham de forma temática. A sociedade civil, na questão ambiental, está muito bem organizada, está conseguindo aprofundar o debate, melhorou muito a interlocução e a qualidade da argumentação. E com o advento das redes sociais, a mobilização ganha outro caráter. Está se usando um instrumento técnico a nosso favor. A própria Cúpula dos Povos é um exemplo extraordinário, repleto de eventos, o que significa que as pessoas têm o que dizer; têm experiências concretas a serem partilhadas.

IHU On-Line – Como o senhor define a atual situação do Brasil frente aos problemas econômico-ambientais? Por que o Brasil desempenha um papel central na conferência?

Wagner Costa Ribeiro – Quando se fala em meio ambiente, o Brasil é uma referência, uma potência importante. O país detém um estoque hídrico considerável, detém sociobiodiversidade, consegue, com todas as dificuldades, manter área protegida em escala importante do território, e tem um modelo de geração de energia ainda predominantemente limpo, inclusive com uma matriz energética diversificada. Porém, está atravessando um momento difícil, baseado na revisão do Código Florestal, que pode fazer com que todos os avanços que conseguimos de conservação ambiental se percam; e principalmente pelos rumores de que alguns setores do Congresso Nacional desejam promover uma ampla reforma da legislação ambiental brasileira, que é considerada uma das mais avançadas do mundo. Então é bom que o evento ocorra aqui, porque pode influenciar o governo a ficar alerta de que certamente sofrerá pressão internacional para que não ocorra esse afrouxamento da legislação ambiental brasileira, o que seria um retrocesso. 

IHU On-Line – O que deveria ser levado em conta se pensarmos na possibilidade de uma governança internacional para tentar minimizar os problemas ambientais?

Wagner Costa Ribeiro – Temos pelo menos três pontos a serem tratados de maneira fundamental. O primeiro: é preciso um acordo geral de que o modelo hegemônico contemporâneo é indefensável e deve ser revisto de maneira urgente. Esse modelo baseado no consumismo, no uso intensivo de recursos naturais, não é mais adequado para o século XXI. Segundo: é preciso definir com rapidez quem vai pagar a conta pelos efeitos nefastos já gerados por esse modelo, e aí incluo a dimensão social e a natural. E a terceira questão é que devemos ter em mente que o sistema internacional está passando por um processo de readequação e redefinição da posição dos países e isso necessariamente vai repercutir na ordem ambiental internacional. Ou seja, vamos ter que começar a admitir que alguns países que tinham papel destacado não têm mais a mesma importância que tiveram até recentemente e que outros países passam a emergir com algum papel em destaque. O problema é que, nesse momento, estamos justamente na indefinição desses papéis. Não dá para dizer quais serão os países importantes e quais perderão espaço. Portanto, a Rio+20 será lembrada na história ou como uma reunião que “deu conta” de tratar dos problemas ambientais, ou como uma incapacidade dos países de lidar com a crise atual.

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