quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Papa Bento XVI investiga o mistério da infância de Jesus

O Papa Bento XVI e o bispo de Ilhéus D. Mauro Montagnoli
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera
"Maria envolveu o menino em faixas. Sem nenhum sentimentalismo, podemos imaginar com que amor Maria terá ido ao encontro da sua hora, terá preparado o nascimento do seu Filho...". No início, quando publicou em 2007 o primeiro volume do Jesus de Nazaré, "do batismo no Jordão à confissão de Pedro e a Transfiguração", a ideia era de acrescentar "um capítulo" sobre os "relatos da infância" na segunda parte, dedicada ao período que vai "da entrada em Jerusalém à Ressurreição". 
No lançamento do segundo volume, em 2011, o "capítulo" não estava, porque o pontífice já havia desenvolvido o propósito de escrever "um pequeno fascículo, se ainda me for dada a força para isso". E agora Bento XVI completou a obra. Ao longo de três verões em Castel Gandolfo, o primeiro rascunho, como de hábito a lápis, na sua grafia miúda, cresceu em um manuscrito de mais de 100 páginas, e o pequeno fascículo se tornou um livro, o mais esperado: Die Kindheitsgeschichten, a obra de Joseph Ratzinger sobre a infância de Jesus
O livro será publicado na Itália pela editora Rizzoli, em coedição com a Livraria Editora Vaticana, antes do Natal. "Não se trata de um terceiro volume, mas sim de uma espécie de pequena 'sala de ingresso' aos dois volumes anteriores sobre a figura e a mensagem de Jesus de Nazaré", escreve o papa na premissa. O mesmo estilo que havia surpreendido a muitos quando escreveu na introdução ao primeiro volume: "Este livro não é de modo algum um ato magisterial, mas é unicamente uma expressão da minha busca pessoal do 'rosto do Senhor'. Por isso, cada um é livre para me contradizer".
Como nas duas partes anteriores, o texto que completa a trilogia é assinado por Joseph Ratzinger antes que Bento XVI. O grande teólogo começou a escrever a sua obra sobre Jesus dois anos antes de ser eleito ao conclave, no verão de 2003, como o cumprimento de décadas de estudo e de pesquisa pessoal – "Cheguei a ela depois de um longo caminho interior" – e ao mesmo tempo como a expressão de uma urgência: a percepção de "uma situação dramática para a fé", a ideia de que na própria "consciência comum da cristiandade", com o progresso das pesquisas histórico-críticas, a figura de Jesus se tornou "cada vez mais nebulosa", um rosto de traços indefinidos, até a impressão generalizada de que, "ao contrário, sabemos bem pouco de certo sobre Jesus", o Jesus "histórico", e que "só depois a fé na sua divindade moldou a sua imagem". 
Mas, não, "eu tenho confiança nos Evangelhos", explicava Ratzinger: "Este livro não foi escrito contra a exegese moderna... Eu somente tentei aplicar, para além da mera interpretação histórico-crítica, os novos critérios metodológicos que nos permitem uma interpretação propriamente teológica da Bíblia e que, no entanto, requerem a fé, sem com isso querer e poder em nada renunciar à seriedade histórica".
O interessante é que A infância de Jesus desenvolve o discurso e em certo sentido vai além. A exegese histórica, o olhar da fé. E algo que tem a ver com a "antiga tradição da Lectio divina" já recomendada por Bento XVI, a leitura dos textos sagrados acompanhada pela oração que "realiza uma conversa íntima com Deus", torna o texto atual aqui e agora. 
Os Evangelhos da infância falam da Encarnação de Deus, e Bento XVI escreve no livro: "É verdade o que foi dito? Diz respeito a mim? E se diz respeito a mim, de que modo?". A história e o hoje se cruzam. "Jesus nasceu em uma época determinável com precisão. No início da atividade pública de Jesus, Lucas oferece mais uma vez uma datação detalhada e precisa daquele momento histórico: é o 15º ano do império de Tibério César; também são mencionados o governador romano daquele ano e os tetrarcas da Galileia, da Itureia e Traconites, como também de Abilene, e depois os chefes dos sacerdotes", lê-se.
Em suma, "Jesus não nasceu e apareceu em público no impreciso 'uma vez' do mito. Ele pertence a um tempo exatamente datável e a um ambiente geográfico exatamente indicado: o universal e o concreto se tocam mutuamente. Nele, o Logos, a Razão criadora de todas as coisas, entrou no mundo. O Logos eterno se fez homem, e disso faz parte o contexto de lugar e de tempo. A fé está ligada a essa realidade concreta, mesmo que depois, por virtude da Ressurreição, o espaço temporal e geográfico é superado, e o "preceder na Galileia" por parte do Senhor o introduz na vastidão aberta da humanidade inteira". 
Esclarecido isto, na exegese do texto evangélico, "a pergunta acerca da relação do passado com o presente invariavelmente faz parte da nossa interpretação".
Quatro capítulos dos Evangelhos, dois de Mateus e dois de Lucas, 180 versículos no total. Contudo, a vida do menino, do anúncio do anjo a Maria ao Jesus de 12 anos "sentado entre os doutores" no templo, inspirou inúmeras obras e é um tema muito delicado.
Um grande estudioso como o cardeal Gianfranco Ravasi recordava que "o último livro a ser posto no Index, antes da abolição dessa prática, foi uma Vie de Jésus (1959) de um conhecido biblista francês, Jean Steinmann, por causa do capítulo dedicado aos Evangelhos da infância". Porque "a origem de Jesus está envolta em mistério", escrevia o próprio Ratzinger na sua célebre Introdução ao Cristianismo: "Essa proveniência de Jesus do mistério de Deus, 'que ninguém conhece', nos é descrita pelos chamados relatos da infância não a fim de revelar o seu pano de fundo, mas precisamente para confirmar a sua misteriosidade".
O próprio nascimento de Jesus da Virgem, observava, "sempre foi um espinho na carne para os iluminados de todos os tipos". Um nascimento que já naquela época, em 1967, Ratzinger distinguia radicalmente dos "mitos" difundidos no mundo do "nascimento milagroso de uma criança redentora", porque "a concepção de Jesus é uma nova criação, não uma geração por parte de Deus" e não não tem nada a ver com o "mito pagão do semideus gerado pela divindade": Deus não é o pai "biológico" de Jesus, que, ao contrário, é "integralmente Deus e integralmente homem", tanto que "a doutrina afirmante da divindade de Jesus não seria minimamente afetada mesmo que Jesus tivesse nascido de um matrimônio humano normal". 
Ora, a reflexão de Bento XVI, com aquela simplicidade que é o objetivo do espírito e da cultura, acompanha os relatos de Marcos e Lucas. Em A infância de Jesus, por exemplo, ele se detém na imagem de Maria que envolve em faixas o menino recém-nascido: "O menino estreitamente envolto nas faixas aparece como uma referência antecipada à hora da sua morte: desde o início, Ele é o Imolado...".
O livro é aguardado em todo o mundo. Na Buchmesse que iniciou no dia 10 em Frankfurt, Alemanha, foram definidas as negociações com as editoras de 32 países para as traduções em 20 línguas. A obra sobre o Menino Jesus remete ao essencial. "No outono, procurava-se pelos campos a alface selvagem; nos prados ao redor do Salzach, encontrávamos, sob a orientação de mamãe, diversas coisas úteis para o presépio, tão caro para nós", escreviaRatzinger na sua autobiografia. 
Monsenhor Georg Ratzinger contou que, no Natal, na sala de jantar do Apartamento pontifício, o irmão menor organiza o presépio com "uma belíssima paisagem montanhosa", feita de pedras que, no Natal, haviam recolhido quando pequenos no leito do rio. Passados os 85 anos, o papa conclui uma obra que resume o sentido de uma vida, como no Salmo 27 que ele quis como epígrafe para o primeiro volume: "O teu rosto, Senhor, eu busco. Não me escondas o teu rosto".

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