"Um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! É preciso ouvir os jovens."
Papa Francisco em entrevista ao jornalista Gerson Camarotti, da Globo News. Depois, sem tabus, pontífice respondeu por mais de uma hora perguntas de jornalistas durante o voo entre Rio e Roma
Papa Francisco em entrevista ao jornalista Gerson Camarotti, da Globo News. Depois, sem tabus, pontífice respondeu por mais de uma hora perguntas de jornalistas durante o voo entre Rio e Roma
As declarações foram dadas em uma entrevista concedida pelo
papa aos jornalistas que o acompanharam no avião, entre eles a reportagem do
Estado. Na conversa, a garantia do argentino de que o Vaticano tem como papa
uma “pessoas normal”, um “pecador” e que vive junto com os demais religiosos
porque morar no Palácio Apostólico o geraria problemas psicológicos.
30 minutos depois de o voo decolar do Rio, o papa deixou sua
primeira classe e cumpriu uma promessa que havia feito no voo de ida de Roma ao
Brasil: responderia perguntas dos jornalistas. Mas poucos imaginaram que a
conversa duraria quase uma hora e meia.
Para o papa, o problema não é a existência do “lobby gay”
dentro da Igreja, mas de qualquer lobby. “o problema não é ter essa tendência.
Devemos ser como irmãos. O problema é o lobby dessas tendências de pessoas
gananciosas, lobby político, mações e tantos outros lobbies. Esse é o principal
problema”, disse.
Pela primeira vez, Francisco ainda deixa claro que, para
ele, abusos sexuais contra menores por parte de religiosos não são apenas
pecados, mas crimes que devem ser julgados.
Mas se a posição sobre os gays e sobre o abuso sexual pode
representar uma mudança, Francisco deixa claro que não haverá uma nova opinião
do Vaticano sobre a presença das mulheres na Igreja, sobre o aborto ou sobre o
casamento homossexual.
O papa aproveitou a conversa para anunciar que vai exigir
transparência e honestidade no Vaticano e garantiu que sua reforma vai
continuar. “Esses escândalos fazem muito mal”, disse.
Antes de responder às perguntas, ele elogiou o “grande
coração dos brasileiros”, disse que a viagem “fez bem para sua espiritualidade”
e ainda disse que a organização do evento foi excelente. “Parecia um
cronômetro”. Eis os principais trechos da entrevista:
P : Nestes quatro meses de pontificado, o senhor criou
várias comissões. Que tipo de reforma do Vaticano o sr. tem em mente ? O sr.
quer suprimir o Banco do Vaticano?
Papa Francisco – Os passos que eu fui dando nestes quatro
meses e meio vão em duas vertentes. O conteúdo do que quero fazer vem da
congregação dos cardeais. Me lembro que os cardeais pediam muitas coisas para o
novo papa, antes do conclave. Lembro.me
que tinha muita coisa. Por exemplo, a
comissão de oito cardeais, a importância de que ter uma consulta de
alguém de fora, e não uma consulta apenas interna. Isso vai na linha do
amadurecimento da sinonalidade e do primado. Os vários episcopados do mundo vão
se expressando e muitas propostas foram feitas, como a reforma da secretaria
dos sínodos, para que a comissão sinodal tenha característica consultativa,
como o consistório cardinalício com temáticas específicas, como a canonização.
A vertente dos conteúdos vem dai. A segunda é a oportunidade. A formação da
primeira comissão não me custou mais de um mês. Já parte econômica, eu pensava
em tratar no ano que vem, porque não é a mais importante. Mas a agenda mudou
devido a circunstâncias que vocês conhecem que é domínio público. O primeiro é
o problema do Ior (Banco do Vaticano), como encaminhá-lo, como reformá-lo, como
sanear o que há de ser sanado. E essa foi então a primeira comissão. Depois
tivemos a comissão dos 15 cardeais que se ocupam dos assuntos econômicos da
Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma comissão para toda a economia da Santa
Sé, uma única comissão de referência. Se notou que o problema econômico estava
fora da agenda. Mas estas coisas acontecem. Quando estamos no governo, vamos
por um lado, mas se chutam e fazem um golaço por outro lado, temos que atacar.
A vida é assim. Eu não sei como o Ior vai ficar. Alguns acham melhor que seja
um banco, outros sejam que deveria ser um fundo, uma instituição de ajuda. Eu
não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão trabalhando sobre isso. O
presidente do Ior permanece, o tesoureiro também, enquanto o diretor e o
vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. E isso
é bom. Não somos máquinas. Temos que achar o melhor. Mas o fato é que, seja o
que for, tem que ser feita com transparência e honestidade.
P : Uma fotografia do sr. deu a volta ao mundo, quando o sr.
desceu as escadas do helicóptero em Roma para embarcar para o Brasil carregando
sua mala preta. Reportagens levantaram hipóteses também sobre o conteúdo da
mala. Porque o sr. saiu carregando a maleta preta e não um de seus
colaboradores? E o sr. poderia dizer o que tinha dentro?
Papa Francisco - Não tinha a chave da bomba atômica. Eu
sempre fiz isso, Quando viajo, levo minhas coisas. E dentro o que tem? Um
barbeador, um breviário (livro de liturgia), uma agenda, tinha um livro para
ler, sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre levei eu
mesmo minha maleta. É normal. Nós temos
que ser normais. É um pouco estranho isso que você me diz que a foto deu a
volta ao mundo. Mas temos de nos habituar a sermos normais, à normalidade da
vida.
P - Por que o senhor pede tanto para que rezem pelo senhor ?
Não é habitual ouvir de um papa que peça que rezem por ele.
Papa Francisco - Sempre pedi isso. Quanto era padre pedia,
mas nem tanto e nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais frequentemente
quando passei a ser bispo. Porque eu sinto que se o senhor não ajuda nesse
trabalho de ajudar aos outros, não se pode realizá-lo. Preciso da ajuda do
senhor. Eu de verdade me sinto com tantos limites, tantos problemas, e também
pecador. Peço a Nossa Senhora que reze por mim. É um hábito, mas que vem da
necessidade. Eu sinto que devo pedir. Não sei…
P - Na busca de fazer as mudanças no Vaticano, o sr. disse
que existem muitos santos que trabalham e outros um pouco menos santos. O sr.
enfrenta resistências a essa sua vontade de mudar as coisas no Vaticano ? O sr.
vive num ambiente muito austero, de Santa Marta. Os seus colaboradores também
vivem essa austeridade? Isso é algo apenas do sr. ou da comunidade?
Papa Francisco - As mudanças vem de duas vertentes.: do que
pediram os cardeais e também o que vem da minha personalidade. Você falou que
eu fico na Santa Marta. Eu não poderia viver sozinho do Palácio, que não é
luxuoso. O apartamento pontifício é grande, mas não é luxuoso. Mas eu não posso
viver sozinho. Preciso de gente, falar com gente, trabalhar com as pessoas.
Porque é que quando os meninos da escola jesuíta me perguntaram se eu estava
aqui pela austeridade e pobreza, eu respondi: não, não. É por motivos
psiquiátricos. Psicologicamente, não posso. Cada um deve levar adiante sua
vida, seguir seu modo de vida. Os cardeais que trabalham na Cúria não vivem
como ricos. Tem apartamentos pequenos. São austeros. Os que eu conheço tem
apartamentos pequenos. Cada um tem que viver como o senhor disse que tem que
viver. A austeridade é necessária para todos. Trabalhamos à serviço da Igreja.
É verdade que há sacerdotes e padres santos, gente que prega, que trabalha
tanto, que trabalha e vai aos pobres, se preocupam garantir que os pobres
comam. Tem santos na Cúria. Também tem alguns que não são muito santos. E são
estes que fazem mais barulho. Faz mais
barulho uma arvore que cai do que uma floresta que nasce. Isso me dói. Porque são alguns que causam
escândalos. Temos o monsenhor que foi para a cadeia (por lavagem de dinheiro).
São escândalos que fazem mal. Uma coisa que nunca disse : a Cúria deveria ter o
nível que tinham os velhos padres, pessoas que trabalham. Os velhos membros da
Cúria. Precisamos deles. Precisamos o perfil do velho da Cúria. Sobre a
resistência, se tem, eu ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas.
Mas eu preciso dizer: eu encontrei ajuda, encontrei pessoas leais. Por exemplo,
eu gosto quando alguém me diz: “eu não estou de acordo”. Esse é um verdadeiro
colaborador. Mas quando vejo alguém que diz: “ah, que belo, que belo”, e depois
dizem o contrario por trás, isso não ajuda.
P – O mundo mudou, os jovens mudaram. Temos no Brasil muitos
jovens, mas o senhor não falou de aborto, sobre a posição do Vaticano sobre
casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que
ampliam os direitos para estes casamentos em relação ao aborto. Por que o
senhor não falou sobre isso?
Papa Francisco - A Igreja já se expressou perfeitamente
sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso. Não era necessário, como também
não falei sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a
mentira. Para isso, a Igreja tem um doutrina clara. Queria falar de coisas
positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem
perfeitamente qual a posição da igreja.
P – E qual é a do Papa?
Papa Francisco - É a da Igreja, Ou sou filho da Igreja.
P - Qual o sentido mais profundo de se apresentar como o
bispo de Roma?
Papa Francisco - Não se deve andar mais adiante do que o que
se fala. O papa é bispo de Roma e por isso é papa, que é sucesso de Pedro.
Pensar que isso quer dizer que é o primeiro, não é o caso. Não é esse o
sentido. O primeiro sentido do papa é ser o bispo de Roma.
P - O sr. teve sua primeira experiência de massas no Rio.
Como o sr. se sente como papa? É muito trabalho ?
Papa Francisco - Ser o bispo é lindo. O problema é quando um
pessoa busca ter esse trabalho. Assim não é tão belo. Mas quando um senhor
chama para ser bispo, isso é belo. Tem sempre o perigo e pecado de pensar com
superioridade, como ser um príncipe. Mas o trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir
adiante. Têm o filtro da estrada. O bispo tem que indicar o caminho. Eu gosto
de ser bispo. Em Buenos Aires, eu era tão feliz. Como padre eu era feliz. Como
bispo, eu era feliz e isso me faz bem.
P – E como papa?
Papa Francisco - Se você faz o que o Senhor quer, é feliz.
Isso é meu sentimento.
P.- Vimos o sr. cheio de energia e, agora, enquanto o avião
se mexe muito, vemos agora com muita tranquilidade de pé. Fala-se muito das
próximas viagens. O sr. já tem um calendário?
Papa Francisco - Definido, definido não há nada. Mas posso
dizer algumas coisas que estamos pensando. No día 22 de setembro, Cagliari.
Depois, no 4 de outubro, para Assis. Tenho em mente dentro da Itália ir ver
minha família. Pegar um avião pela manhã e voltar com outro pela noite. Meus
familiares, pobres, me ligam. Temos una boa relação com eles. Fora da Itália o
patriarca Bartolomeu I quer fazer um encontro para comemorar os 50 anos do
encontro Atenágoras e Paulo VI em Jerusalém. O governo israelense nos dei um
convite especial. O governo da Autoridade Palestina acredito que fez o mesmo.
Isso está sendo pensado. Na América Latina, acredito que há possibilidades de
voltar, porque o papa latino-americano, que acaba de fazer sua primeira viagem
à América Latina….Adeus! Devemos esperar um pouco. Acredito que se possa ir à
Ásia, mas está todo no ar. Tive convites para ir ao Sri Lanka e Filipinas. Para
a Ásia precisamos ir. Bento XVI não teve tempo.
P – E para a Argentina?
Papa Francisco - Isso pode esperar um pouco. As outras
viagens tem prioridade.
P – No encontro com os argentinos, o sr. disse que se sentia
enjaulado. Porque?
Papa Francisco - Vocês sabem que eu tenho vontade de passear
pelas ruas de Roma? Adoro andar pelas ruas. E por isso me sinto um pouco
enjaulado. Mas tenho que dizer que a Gendarmeria vaticana é boa. Agora me
deixam fazer algumas coisas mais. Mas seu dever é garantir minha segurança.
Enjaulado nesse sentido, de que gostaria de estar nas ruas. Mas entendo que não
é possível. Em Buenos Aires, eu era um
sacerdote das ruas.
P - A igreja no
Brasil está perdendo fieis. A Renovação Carismática é uma possibilidade para
evitar que eles sigam para as igrejas pentecostais?
Papa Francisco - É verdade, as estatísticas mostram. Falamos
sobre isso ontem com os bispos brasileiros. E isso é um problema que incomoda
os bispos brasileiros. Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980,
eu não podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase:
eles confundem uma celebração musical com uma escola de samba. Eu me arrependi.
Vi que os movimentos bem assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que
esse movimento faz muito bem à igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma
missa com eles uma vez por ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam. Neste
momento da igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos
são um graça para a igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para
evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria
igreja, a igreja que se renova.
P – O senhor disse que está cansado. Há algum tratamento
especial neste voo?
Papa Francisco - Sim, estou cansado. Não há nenhum
tratamento especial neste voo. Na frente, tem uma bela poltrona. Escrevi para
dizer que não queria tratamento especial.
P – A igreja sem a mulher perde a fecundidade? Quais as
medidas concretas?
Papa Francisco - Uma igreja sem as mulheres é como o colégio
apostólico sem Maria. O papal da mulher na igreja não é só maternidade, a mãe
da família. É muito mais forte. A mulher ajuda a igreja a crescer. E pensar que
a Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina,
esposa, mãe. O papel da mulher na igreja não deve ser só o de mãe e com um
trabalho limitado. Não, tem outra coisa. O papa Paulo 6° escreveu uma coisa
belíssima sobre as mulheres. Creio que se deva ir adiante esse papel. Não se
pode entender uma igreja sem uma mulher ativa. Um exemplo histórico: para mim,
as mulheres paraguaias são as mais gloriosas da América Latina. Sobraram,
depois da guerra (1864-1870), oito mulheres para cada homem. E essas mulheres
fizeram uma escolha um pouco difícil. A escolha de ter filhos para salvar a
pátria, a cultura, a fé, a língua. Na igreja, se deve pensar nas mulheres sob
essa perspectiva. Escolhas de risco, mas como mulher. Acredito que, até agora,
não fizemos uma profunda teologia sobre a mulher. Somente um pouco aqui, um
pouco lá. Tem a que faz a leitura, a presidente da Cáritas, mas há mais o que
fazer. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu
penso.
P – O que sr. pensa sobre a ordenação das mulheres?
Papa Francisco - Sobre a ordenação, a igreja já falou e
disse que não. João Paulo 2° disse com uma formulação definitiva. Essa porta
está fechada. Nossa senhora, Maria, é mais importante que os apóstolos. A
mulher na igreja é mais importante que os bispos e os padres. Acredito que
falte uma especificação teológica.
P – Queremos saber
qual a sua relação de trabalho com Bento 16, não a amistosa, a de colaboração.
Não houve antes uma circunstância assim. Os contatos são frequentes?
Papa Francisco - A última vez que houve dois ou três papa,
eles não se falavam. Estavam brigando entre si, para ver quem era o verdadeiro.
Eu fiquei muito feliz quando se tornou papa. Também, quando renunciou, foi, pra
mim, um exemplo muito grande. É um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no
Vaticano. Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu
achei uma frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na
família, um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei
para vir comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho
alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele. Sobre o
problema grave do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse
tudo com simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: Em 8 de
fevereiro, no discurso, ele falou: “Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo
obediência”. Isso é grande.
P – Nesta viagem, o sr. falou de misericórdia Sobre o acesso
aos sacramentos dos divorciados, existe a possibilidade de mudar alguma coisa
na disciplina da igreja?
Papa Francisco - Essa é uma pergunta que sempre se faz. A
misericórdia é maior do que o exemplo que você deu. Essa mudança de época e
também tantos problemas na igreja, como alguns testemunhos de alguns padres,
problemas de corrupção, do clericalismo… A igreja é mãe. Ela cura os feridos.
Ela não se cansa de perdoar. Os
divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão na segunda união.
Esse problema deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há 15 dias, esteve
comigo o secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema do próximo
sínodo. E posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral matrimonial mais
profunda. O cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a metade dos
matrimônios é nula. Porque as pessoas se casam sem maturidade ou porque
socialmente devem se casar. Isso também entra na Pastoral do Matrimônio. A questão da anulação do casamento deve ser
revisada. Também é preciso analisar os problemas judiciais de anular um
matrimônio. Porque os…eclesiástico não bastam para isso. É complexo o problema
da anulação do matrimônio.
P – Como Papa, o senhor ainda pensa é um jesuíta ?
Papa Francisco - É uma pergunta teológica. Os jesuítas fazem
votos de obedecer ao Papa. Mas se o Papa se torna um jesuíta, talvez devem
fazer votos gerais dos jesuítas. Eu me sinto jesuíta na minha espiritualidade,
a que tenho no coração. Não mudei de espiritualidade. Sou Francisco
franciscano. Me sinto jesuíta e penso como jesuíta.
P – Em quatro meses de Pontificado, pode nos fazer um
pequeno balance e dizer o que foi o pior e o melhor de ser Papa ? O que mais o
surpreendeu neste período?
Papa Francisco - Não sei como responder isso, de verdade.
Coisas ruins, ruins, não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o
encontro com os bispos italianos, que foi tão bonito. Como Bispo da capital da
Itália, me senti em casa com eles. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampedusa,
me fez chorar. Me fez bem. Quando chegam estes barcos (com imigrantes), e que
os deixam a algumas milhas de distância da costa e eles têm que chegar (à
costa) sozinhos, isso me dói porque penso que estas pessoas são vítimas do
sistema sócio-econômico mundial. Mas a coisa pior é um ciática, é verdade, tive isso no primeiro mês. É verdade! Para
uma entrevista, tive que me acomodar numa poltrona e isso me fez mal, doía
muito, não desejo isso a ninguém. O encontro com os seminaristas religiosos foi
belíssimo. Também o encontro com os alunos do colégio jesuítas foi belíssimo.
As pessoas…conheci tantas pessoas boas no Vaticano. Isso é verdade, eu faço
justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas, boas.
P – O senhor se assustou quando viu o informe sobre o
Vatileaks ?
Papa Francisco - Não. Vou contar uma anedota sobre o informe
do Vatileaks. Quando fui ver o Papa Bento, ele disse: aqui está uma caixa com
tudo o que disseram as testemunhas. Havia ainda um envelope com o resumo. E ele
sabia tudo de memória. Mas não, não me assustei. São problemas grandes, mas não
me assustei.
P – O sr. tem a esperança de que esta viagem ao Brasil
contribua para trazer de volta os fiéis ?
Papa Francisco - Uma viagem Papa sempre faz bem. E creio que
a viagem ao Brasil fará bem, não apenas a presença do Papa. Esta Jornada da
Juventude, eles (os brasileiros) se mobilizaram e vão ajudar muito a Igreja.
Tantos fiéis que foram se sentem felizes (por terem ido). Acho que vai ser
positivo não só pela viagem, mas pela Jornada, que foi um evento maravilhoso.
P – Os argentinos se perguntam: o sr. não sente falta de
estar em Buenos Aires, pegar um ônibus ?
Papa Francisco - Buenos Aires, sim, sinto falta. Mas é uma
saudades serena.
P – Hoje os ortodoxos festejam mil anos do cristianismo. Seu
comentário ?
Papa Francisco - As igrejas ortodoxas conservaram a liturgia
tão bem, no sentido da adoração. Eles louvam Deus, adoram Deus, cantam Deus. O
tempo não conta. O centro é Deus e isso é uma riqueza. Luz é oriente. E o
ocidente, luxos. O consumismo nos faz tão mal. Quando se lê Dostoievski, que
acho que todos nós devemos ler, precisamos deste ar fresco do oriente, desta
luz do Oriente.
P – O que o senhor pretende fazer em relação ao monsenhor
Ricca (acusado de ter amantes) e como o sr pretende enfrentar toda esta questão
do lobby gay ?
Papa Francisco - Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito
canônico manda fazer, que é a investigação prévia. E nesta investigação, não
tem nada do que o acusam. Não achamos nada.
É a minha resposta. Mas eu gostaria de dizer outra coisa sobre isso.
Vejo que muitas vezes na Igreja se busca os pecados de juventude, por exemplo.
Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja laica ou padre ou
freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o senhor perdoa, o senhor
esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos confessar e nós
dizemos que pecamos, o senhor esquece e nós não temos o direito de não
esquecer. Isso é um perigo. O que é importante é uma teologia do pecado. Tantas
vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E este
pecador foi transformado em Papa. Neste caso, nós tivemos uma rápida
investigação e não encontramos nada.
Vocês vêm muita coisa escrita sobre o gay lobby. Eu ainda
não vi ninguém no Vaticano com uma carteira de identidade do Vaticano dizendo
que é gay. Dizem que há alguns. acho que quando alguém se ve com uma pessoa
assim devemos distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay e fazer um lobby
gay, porque todos os lobbys não são
bons. Isso é o que é ruim. Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa
vontade, quem sou eu, por caridade, pra julga-la ? O catecismo da Igreja
católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por
causa disso, mas devem ser integrados na sociedade. O problema não é ter essa
tendência. Não ! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby, o lobby dos
avaros, o lobby dos políticos, o lobby dos mações, tantos lobbys. Esse é o o
pior problema.
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