segunda-feira, 2 de junho de 2014

O primeiro Papa multipolar mostra desenvoltura política única

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por The Boston Globe
francisco-i-papa-enfermos-sida
Será mesmo apenas um acaso diplomático que a data divulgada esta semana para a cúpula de oração – que trará o presidente israelense Shimon Peres e o presidente palestino Mahmoud Abbas junto do Papa Francisco no Vaticano – seja um dia especial no calendário cristão?
O encontro do dia 8 de junho, para o qual Francisco convidou estes dois líderes durante sua recente visita ao Oriente Médio, vai coincidir com a festa cristã de Pentecostes, ocasião em que a Bíblia relata que o Espírito Santo desceu sobre os discípulos depois de Jesus ter subido ao Céu, transformando-os de um tímido grupo em missionários destemidos que o mundo nunca tinha visto até então.
Em particular, talvez Francisco esteja na esperança de um milagre parecido desta vez.
Em público, no entanto, o pontífice está sendo cauteloso. Ele disse aos jornalistas durante a coletiva de imprensa em seu voo de volta do Oriente Médio a Roma que este momento será exclusivamente “um encontro de oração, e não para mediar ou buscar soluções”.
“Estamos nos encontrando para rezar, somente isso”, disse ele, “e depois todos vão embora”.
Sem dúvida, esta cautela reflete as realidades cimentadas da política de paz no Oriente Médio: as expectativas são quase sempre frustradas. Mas ela também pode refletir as lições da própria viagem do Papa Francisco, que trouxe lembretes de quão difícil o conflito continua sendo.
Quando ele visitou alguns líderes muçulmanos no Domo da Rocha, foi forçado a jurar, através de diatribes, que jamais haverá paz até o momento em que a “violência” israelense e a “ocupação” terminem.
Ao mesmo tempo, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelense classificou, de forma dura, o momento de oração em silêncio do papa no dia anterior junto ao muro que separa Israel da Cisjordânia como uma “manobra de propaganda política”.
O que quer que esta cúpula alcance em termos de processo de paz, ela ilustra dois pontos centrais a respeito da marca diplomática do Papa Francisco.
Em primeiro lugar, ele aditou uma abordagem distintamente religiosa.
Embora a base do ativismo vaticano sempre tenha sido de ordem religiosa, no passado ela muitas vezes agiu como qualquer outra organização estatal ou não governamental em situações de conflito.
O Vaticano podia se oferecer como um mediador, assim como fez em 1979 ao negociar uma resolução para uma guerra possivelmente sangrenta entre o Chile e a Argentina envolvendo as Ilhas Beagle. Ou podia dar o seu apoio para movimentos da sociedade civil, assim como o Papa João Paulo II fez na década de 1980 com o Solidariedade, na Polônia.
Tais iniciativas irão continuar, porém Francisco aparentemente decidiu que o seu papel pessoal vai vir numa chave espiritual, unindo as partes para oração ou convocando dias especiais de reza e jejum, como o fez em setembro em relação à Síria.
À primeira vista, isso pode parecer ingenuidade, ou uma retirada de campo, mas na realidade não é nada disso. Muitos dos conflitos mais mortais do mundo têm uma forte conotação religiosa, e Francisco está falando numa linguagem espiritual quando aborda-os de uma forma que nenhum político secular pode chegar perto.
Em segundo lugar, o Papa Francisco, um argentino, é o primeiro papa na história a fazer uma ponte entre os hemisférios norte e sul – quer dizer, é o primeiro papa multipolar – e, por isso, ele não carrega a bagagem de ser visto como um líder europeu ou norte-americano.
Durante séculos, a configuração padrão do Vaticano era se aliar com as grandes potências cristãs. Por muito tempo isso significou decidir-se sobre em qual monarquia europeia se alistar, enquanto que após a Segunda Guerra Mundial isso quis dizer abraçar a União Europeia e, até certo ponto, os Estados Unidos. A ideia era a de que o parceiro natural do Vaticano estivesse no ocidente, o que era especialmente atraente na medida em que os papas eram todos eles próprios europeus.
Hoje esta pressuposição não mais se sustenta. Dois terços dos católicos no mundo vivem fora do continente europeu e Francisco é o primeiro papa vindo de um país em desenvolvimento. A sua eleição permitiu com que o catolicismo adotasse um estilo à la carte de diplomacia, forjando alianças em questões específicas, mas não mais se posicionando como o capelão da OTAN.
Em algumas questões, tal como o conflito na Síria, a postura do papa vem estando mais próxima à da Rússia e China do que a postura das potências ocidentais. O sentimento do papa por um mundo multipolar pode também ser vislumbrado a partir do fato de que ele enunciou duas viagens à Ásia – Coreia do Sul em agosto, e Filipinas e Sri Lanka em janeiro – antes de ir a qualquer outro lugar, seja na Europa ou na América do Norte.
Tudo isso pode pouco contribuir para aumentar as chances de cortesia, e muitos menos para um avanço, na cúpula de oração do dia 8 de junho, na qual também participarão um líder rabino e outro muçulmano. Por um lado, as dores de cabeça não são apenas diplomáticas como também teológicas.
Judeus e muçulmanos têm as suas próprias sensibilidades sobre rezar com seguidores de outras religiões, enquanto que para os católicos a cúpula de oração do Papa João Paulo II, no ano de 1986, em Assis, na Itália, local de nascimento de São Francisco, abriu um debate sobre os limites da oração inter-religiosa que, na verdade, nunca terminou.
Vai ser fascinante ver que tipo de ritual os organizadores irão inventar, e se este inclui uma oração conjunta ou, antes, orações separadas no mesmo espaço.
No nível da realpolitik, ainda não está claro se a marca do papa na política pode fazer a diferença, mas talvez este não seja o teste apropriado para um agente distintamente religioso.
“Percebo que a credibilidade política é importante neste mundo”, disse o cardeal Theodore McCarrick, “porém é mais importante ser fiel a Deus (...). Ele está contando com o Senhor, e não se pode dizer ao papa que esta não é a coisa certa a ser feita”.
McCarrick, um solucionador de problemas diplomáticos experiente, falou ao jornal The Boston Globe em Jerusalém durante a visita papal.
O papa, disse ele, “não está se colocando do lado de fora de um limbo, ele está se colocando diante da Cruz, e é para isso que ele foi chamado”.
De qualquer forma, ele certamente está assim procedendo em sua forma única, original.
O Papa Francisco se encontra com os carismáticos
Em geral, os católicos não são por natureza “crentes ferrenhos”, no sentido de se engajarem em louvor e adoração fervorosa e em terem ataques públicos de paixão religiosa. Assim, o escritor americano John Sandford fez, de forma memorável, o seu detetive fictício Lucas Davenport dizer: “Os católicos não gritam para Jesus, eles gritam para o bispo”.
No entanto, um dos impulsos mais significativos da vida católica ao longo do último meio século foi o aumento do que é conhecido hoje como o “movimento carismático”, referente a uma espiritualidade bastante alta que, em vários sentidos, imita o cristianismo pentecostal, especialmente em seu entusiasmo pelos dons do Espírito Santo tais como falar em línguas, visões e curas milagrosas.
Atualmente, a estimativa oficial do número de católicos carismáticos é de 120 milhões, o que seria 10% da população mundial católica de 1.2 bilhão de fiéis. Na verdade, o número é provavelmente bastante maior, porque em muitas regiões do mundo em desenvolvimento as pessoas podem não reconhecer a palavra “carismático”, mas certamente se identificam com as práticas espirituais e os estilos de adoração implicados.
Neste fim de semana o Papa Francisco deve dar o selo de aprovação mais claro ao movimento carismático desde 1975, quando o Papa Paulo VI abriu as portas chamando-o de uma “oportunidade para a Igreja”.Francisco irá atravessar a cidade para se juntar a um evento carismático no Estádio Olimpico de Roma, onde os times de futebol profissional locais jogam e onde mais de 50 mil pessoas devem estar reunidas. (Na foto, multidão participa do encontro, em Roma, no dia de ontem - Foto: Ansa).
O papa disse que quer participar na oração e adoração bem como deixar uma mensagem no encontro, que tem o apoio do movimento Renovação do Espírito, o principal ramo carismático italiano.
Um dos que irão falar no encontro é o católico americano Ralph Martin, líder de longa data nos círculos carismáticos que atualmente leciona no Seminário Sacred Heart Major, na Arquidiocese de Detroit. Em Roma, Martin concedeu uma entrevista sobre o encontro deste fim de semana e a importância do envolvimento do papa.
Do que se trata este encontro em Roma?
A renovação carismática é bastante forte na Itália, e eles têm um encontro anual. Normalmente estes encontros acontecem em Rimini, mas neste ano decidiram realizá-lo em Roma; quando explicaram o encontro ao PapaFrancisco, ele disse: “Vou junto!” Ele se ofereceu para vir. Ele vai passar um bom tempo com a gente, e mais de 50 mil pessoas se inscreveram no período de poucas semanas.
A esperança é que os pedidos do papa para um Novo Pentecostes, que remonta a São João XXIII, e para uma Nova Evangelização, que remonta ao Vaticano II e especialmente a São João Paulo II, possam se encontrar. A intenção doPapa Francisco é reunir a realidade de um Novo Pentecostes com a urgência de uma Nova Evangelização.
O senhor espera que ele se envolva em práticas carismáticas tais como o falar em línguas ou em curas?
Digamos que eu não ficaria surpreso. Não sabemos o que ele irá fazer. Sabemos que ele quer entrar no estádio caminhando, que quer participar no momento de adoração que vai estar acontecendo e que também sabemos que ele quer dizer alguma coisa para nós. Além disso, precisamos esperar para ver.
Como era a relação do papa com o movimento carismático na Argentina?
Ele disse publicamente que, de início, não sabia o que pensar, e que se perguntava se o movimento não era uma emotividade superficial, mas, quando veio a conhecer [os carismáticos], ele mudou de opinião.
[Observação: Em entrevista coletiva durante seu voo de volta do Brasil no mês de julho, Francisco falou que costumava pensar que os carismáticos “confundiam a sagrada liturgia com um escola de samba”, mas que se converteu “quando vim a conhecê-los melhor e quando vi o bem que eles fazem”.]
O que espero para este fim de semana é que todos os católicos se tornem mais abertos para a presença e a realidade do Espírito Santo, porque eu acho que nós realmente estamos precisando disso.
O que os carismáticos pensam do Papa Francisco? Eles têm a tendência de serem um tanto conservadores em termos teológicos, no entanto devem estar gostando deste seu estilo livre.
É muito bonito o que muitos dos católicos comprometidos estão achando dele. Estão tocados, revigorados; pensam que este é um momento de novos ares. Os carismáticos viram imagens do Papa Francisco de quando ele era arcebispo de Buenos Aires orando e pedindo a pastores protestantes para orarem por ele. A sua amizade em relação à renovação carismática está aí.
Ao mesmo tempo ficam se perguntando: “O que ele quis dizer com aquilo?” Será que ele é pró-vida? Alguns se perguntam sobre o que ele quer dizer com “quem sou eu para julgar?” Os carismáticos pensam que ele é fantástico, mas também se perguntam como algumas destas questões se encaixam.
Francisco vai realizar um momento de oração com os presidentes israelense e palestino em 8 de junho, o que acontece de ser no mesmo dia da festa de Pentecostes. O senhor acha que há algo de especial em relação a isso?
Sempre que as pessoas abrem seus corações a Deus, de alguma forma o Senhor quer fazer algo bom. Mesmo se a data tenha sido marcada de forma aleatória, tenho certeza de que [o Papa Francisco] enxerga alguma coisa significativa aí.
Em sua opinião, qual será o impacto deste encontro do fim de semana?
Eu acho que há um monte de carismáticos no armário aí. Há um monte de padres que tiveram pessoalmente suas vocações salvas por causa de sua experiência com Cristo e com o Espírito Santo através da renovação [carismática], mas eles descobriram que não era legal [dizer em voz alta], pois isso era considerado marginal. Eles aprenderam a não falar muito sobre o assunto. Eu acho que chegou a hora para que os carismáticos em potencial se assumam, saiam do armário. Acho que a presença do papa pode encorajar nesse sentido, junto da percepção cada vez maior de que uma ação de Deus pode ser a única coisa a salvar a Igreja hoje.
“Confie, mas verifique” as finanças
Durante a coletiva de imprensa no voo de volta a Roma, perguntaram ao Papa Francisco sobre o ponto em que estão as reformas. O pontífice respondeu que o trabalho está em curso, observando que os primeiros resultados concretos vieram na área das finanças com a criação de uma nova Secretaria de Economia para impor disciplina e transparência.
De forma indireta, ele creditou a mídia pelos resultados.
“A parte econômica é aquela que vem em primeiro lugar porque há alguns problemas sobre os quais a imprensa fala bastante”, disse ele.
A referência feita foi provavelmente ao caso do monsenhor Nunzio Scarano, ex-contador da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica – APSA, preso em junho do ano passado sob a acusação de ser cúmplice num esquema envolvendo 30 milhões de dólares em dinheiro vivo, e posteriormente também por ser acusado de usar suas contas no Banco do Vaticano para lavar dinheiro.
Apesar da criação de uma nova estrutura burocrática, não acontece de simplesmente as dores de cabeça sumirem. Desde que se anunciou a nova secretaria, o ex-número dois do Vaticano, o cardeal italiano Tarcisio Bertone, foi acusado de transferir, de forma ilícita, 20 milhões de dólares para uma produtora de filmes, e um escândalo irrompeu a respeito de uma suntuosa festa organizada num terraço no Vaticano durante as canonizações do dia 27 de abril dos papas João Paulo II e João XXIII que, supostamente, teria custado 25 mil dólares, e que teria, em tese, deixado o “papa dos pobres” um pouco descontente.
Estes imbróglios ilustram a profundidade do desafio que o Papa Francisco e sua nova equipe enfrentam ao tentar mudar a cultura.
Estive recentemente conversando sobre isso com alguém envolvido nas reformas, o qual me perguntou se eu tinha lido o livro de Benny Lai, publicado em 2012, sobre a tumultuada história moderna das finanças vaticanas. Lai cobriu o Vaticano para várias publicações italianas, começando em 1951, e este foi o seu último livro antes de morrer em dezembro de 2013.
Lai documentou a forma como ondas anteriores de reformas entraram e saíram, muitas vezes sem efeito perceptível. A pessoa que me recomendou o livro disse que a sua experiência de trabalhar no Vaticano oferece-lhe uma “confirmação plena” do que Lai escreveu, e em certo sentido esta não é uma avaliação animadora.
Por exemplo, o Papa Paulo VI criou uma “Prefeitura para Assuntos Econômicos” em 1967 num esforço de fornecer uma imagem sobretudo precisa sobre as condições financeiras do Vaticano. Relata Lai que quatro anos depoisPaulo VI foi presenteado com uma folha de balanço desde a perda do poder temporal dos papas – um século antes –, mas percebeu que não poderia tornar essa informação pública já que ninguém iria levá-la a sério.
Entre outras coisas, os vários departamentos incluíram no relatório todos os métodos diferentes usados para calcular o valor de suas participações – alguns se basearam no preço de compra, outros no valor de mercado estimado no momento, outros ainda se basearam no que pensaram que poderiam receber por elas, e assim por diante. E mais, o “Instituto para as Obras de Religião”, o assim-chamado Banco do Vaticano, não estava incluído.
Não foi até 1979, sob o papado de João Paulo II, que o Vaticano divulgou, de fato, uma declaração financeira anual, e não foi até 2009 que ele forneceu uma cifra de quanto o Banco do Vaticano dá ao papa todos os anos.
Lai também descreve as tentativas do cardeal americano Edmond Szoka em corrigir as finanças do Vaticano durante o seu mandato difícil na prefeitura, que foi de 1990 a 1997. Assim como o cardeal australiano George Pell, hoje, alocado pelo Papa Francisco para ser o seu czar financeiro, Szoka foi trazido durante o papado de João Paulo II como o anglo-saxão especialista que iria colocar o Vaticano em ordem.
Embora Szoka tenha tido sucesso em terminar com os 23 anos consecutivos de déficit, Lai propõe que o seu plano de reforma mais amplo basicamente não chegou a lugar nenhum. Segundo o autor, Szoka queria vender as reservas de ouro do Vaticano e investir sua renda, junto de algumas propriedades que o Vaticano possui ao redor de Roma que são usadas, hoje, para garantir moradia a baixo custo para os empregados. Ele também buscou trocar os horários de trabalho do Vaticano para um regime que fosse de 40 horas semanais (5 dias por semana), para reduzir o número de assistentes de baixo escalão nos departamentos e escritórios e cortar, de forma drástica, a folha de pagamento da Rádio do Vaticano.
No final, pouco disso aconteceu. Assim como Lai escreve: “Os homens da Cúria Romana sempre foram mestres em se abrigarem até que a tempestade passasse”.
Na verdade, a moral da história contata pelo autor parece ser uma dose de precaução sobre o quão rápida uma mudança pode chegar, ou sobre o quão abrangente ela será quando chegar.
Naturalmente, a situação hoje está diferente: em parte por causa do Papa Francisco, o primeiro papa desde Paulo VIa fazer da governança interna uma prioridade real; em parte por causa de Pell; e em parte por causa da dinâmica do último conclave, que foi a eleição mais anti-establishment do século.
Por outro lado, sabe-se de pessoas internas no Vaticano que relatam motivos de preocupação. Num certo sentido, um abismo cultural pode estar sendo aberto entre italianos e a coorte internacional ao qual o projeto tem sido amplamente confiado. Noutro, alguns veteranos não podem ajudar, mas veem as conversas sobre transparência como uma acusação do que era antes.
Há igualmente ainda uma pergunta não respondida sobre o que exatamente significa “reforma financeira”.
Por exemplo, será que é exclusivamente sobre maximizar os rendimentos e minimizar as despesas, reduzindo assim o fardo nas dioceses ao redor do mundo? Isso implicaria revisitar a sugestão de Szoka e despejar os empregados do Vaticano de seus apartamentos de forma que eles possam ser reparados e vendidos. Ou será que reforma financeira seria um passo em falso da era Francisco? De ponto de vista das relações públicas, será que se quer mesmo que os funcionários do Vaticano se reúnam em protesto na Praça de São Pedro para exigir saber por que o papa está pedindo por moradia aos pobres noutros lugares enquanto tira o seu próprio povo de suas casas?
Dadas estas complicações, talvez seja melhor para todos voltar ao que poderíamos chamar de a regra de Benny Laiem face às mudanças nas finanças: Confie, mas verifique.
Será que Bento XVI renunciou
No entanto, um outro assunto de interesse decorrente da coletiva de imprensa recente do papa veio quando ele foi perguntado sobre a renúncia papal. Ele não revelou os seus próprios planos, dizendo apenas que irá fazer “o que o Senhor me disser para fazer”. Insistiu, porém, não acreditar que a decisão histórica de se retirar feita por Bento XVIseja um “caso isolado”.
Nesse sentido, é intrigante um ensaio publicado na terça-feira pelo experiente vaticanista Vittorio Messori.
Com base num estudo recente conduzido pelo especialista em direito canônico Stefano Violi, que analisou o comunicado de renúncia de Bento XVI, de 11-01-2013, sílaba por sílaba para tirar o seu significado preciso, Violi eMessori concluíram que Bento jamais abdicou do papado. Em vez disso, ele renunciou ao exercício do ministério papal: uma diferença crucial, para eles, que com efeito significa que a Igreja tem, de fato, hoje dois papas ao mesmo tempo.
Na verdade, acreditam eles, Bento nem mesmo desistiu completamente do exercício do cargo.
Pelo jeito da análise de Violi e Messori, ser papa tem dois componentes básicos: “agendo et loquendo” (agindo e ensinando); e “orando et patendo” (rezando e sofrendo). Eles acreditam que Bento XVI abandonou o primeiro componente, mas nunca o segundo, o que explica a sua residência contínua no Vaticano e seu contínuo uso de vestimentas papais. Com efeito, acreditam que ele esteja, de alguma forma, continuando a funcionar como papa, embora deixando o trabalho de governança para o seu sucessor.
Como Violi coloca: Bento XVI “não renunciou ao cargo, que é irrevogável, mas apenas à sua execução concreta”, e mesmo assim somente em parte.
Messori sustenta que Francisco pode ver estas coisas da mesma forma, o que talvez ajude a explicar por que prefere o título de “Bispo de Roma”, o qual ele é, sem dúvida, o único no momento, ao título de “papa” ou “pontífice”, para os quais haveria agora dois.
Messori dá a tudo isso um final feliz, escrevendo que “é um dom [para a Igreja] que haja, fisicamente, de ombro a ombro, um que lidere e ensine e um que reze e sofra, por todos, sobretudo para apoiar o seu irmão no cargo papal diariamente”.
O tempo irá dizer se o próprio Francisco vai proporcionar a próxima oportunidade de se ver como um pontífice que renuncia compreende a sua ação; e, se ele proporcionar, se acaso tomará a mesma abordagem de Bento ou se ajudará a trilhar uma nova possibilidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário