segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ele ouviu do melhor amigo: “Pizzolato, você vai ter que morrer”

Henrique Pizzolato estava fadado a ter o mesmo destino de Kátia Rabello, Cristiano Paz e Jacinto Lamas: entrar para a história como coadjuvante entre os condenados por participar do esquema do mensalão. Mas o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil não estava disposto a aceitar a pena de 12 anos e sete meses de prisão que lhe foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no maior julgamento de que se tem notícia no país, e viraria protagonista do caso como o único dos 25 condenados a tentar fugir da polícia. Os cinematográficos detalhes dessa fuga (e dos outros planos do mensaleiro para escapar) estão em Pizzolato - Não existe plano infalível (Leya), escrito pela jornalista Fernanda Odilla.
Rodolfo Borges,  jornal El País - O livro em que se transformou a vida de Pizzolato conta como o funcionário de carreira que galgou postos no Banco do Brasil por meio do ativismo sindical tomou a identidade do falecido irmão Celso para, com documentos forjados, deixar o país rumo à Itália — com escalas na Argentina e na Espanha — antes que o STF pudesse expedir sua ordem de prisão. Determinado a escapar de qualquer forma do constrangimento que ele e Andrea Haas, a mulher que lhe acompanha desde os tempos de faculdade, teriam de passar durante os anos de cadeia, o militante político que chegou a se candidatar a prefeito de Toledo e até a governador em Santa Catarina (Nota da IHU On-Line: Henrique Pizzolato foi candidato a governador pelo PT, no Paraná) pelo PT, no fim dos anos 1980, estava disposto a tudo, inclusive forjar a própria morte.
Concebido pelo melhor amigo e grande defensor de Pizzolato, o também funcionário do Banco do Brasil Alexandre Cesar Costa Teixeira, mais conhecido como Terremoto, o plano de fingir que o condenado pelo mensalão havia morrido chegou a ser posto em prática, com a confecção de um testamento que estabelecia, entre outras coisas, que o corpo do falecido não deveria ser velado, nem sua morte divulgada, “pois [o autor] não deseja que pessoas fiquem tristes e enlutadas”. A ideia, que seria classificada como louca pelo próprio Terremoto anos depois, não vingou, assim como outras sugestões de amigos de Pizzolato, entre elas pedir asilo a países vizinhos alinhados com o governo brasileiro, como Venezuela e Bolívia. O jeito seria fugir do Brasil, numa estratégia que começou a ser arquitetada seis anos antes, em 2007, quando o STF aceitou a denúncia do Ministério Público sobre o mensalão.
Acusado de desviar dinheiro do Fundo Visanet para a agência DNA, do empresário Marcos Valério, e sem conseguir explicar à polícia e aos parlamentares de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) o recebimento de 326.660,67 reais em sua cobertura em Copacabana, Pizzolato começou a expedir documentos em nome do irmãoCelso, falecido em um acidente de carro em 1978, aos 24 anos. O ‘ressuscitado’ Celso chegou a votar nas eleições de 2008, em um dos testes de Henrique para a identidade com a qual conseguiria, anos depois, deixar o país pela Argentina, com a ajuda de Terremoto, que o conduziu de carro até a fronteira.
Pizzolato deu início à fuga no dia 11 de setembro de 2013, e seria preso pelos carabinieri em Maranello, na Itália, quase cinco meses depois, em 5 de fevereiro de 2014, na casa de um sobrinho que trabalha para a Ferrari, após uma série de desencontros entre as forças de segurança brasileira e italiana — provavelmente motivados pela negativa do Estado brasileiro de extraditar o terrorista ou militante, a depender do matiz ideológico, Cesare Battisti, em 2010. Segundo a autora do livro, o caso Pizzolato acabou resolvido nas 24 horas seguintes a uma reunião entre as polícias dos dois países, na qual todos enfim perceberam que o tal Celso Pizzolato, que já vinha sendo monitorado desde que se instalara na pacata Porto Venere com a mulher e um chamativo Fiat Punto vermelho emplacado na Espanha, era na verdade o fugitivo procurado pela Interpol.
Para contar essa história, escrita de forma leve e de fácil leitura, Fernanda Odilla recupera a vida do fugitivo desde a infância na pequena Concórdia, em Santa Catarina, onde seu avô Vittorio Pizzolato, um ex-combatente italiano da Primeira Guerra Mundial ferido em combate e condecorado, se instalou na década de 1930 em busca de trabalho. Sem pretender transformar o personagem do livro “em herói ou vilão”, a autora diz que tentou ser justa com o ex-diretor do Banco do Brasil, que hoje, após ver o processo de extradição solicitado pelo Brasil ser negado pela Justiça italiana, desfruta de relativa liberdade, apesar de ter somado alguns crimes desde sua condenação pelo mensalão. Processado na Itália por falsidade ideológica e investigado no Brasil, junto com a mulher, por remessa ilegal de divisas para o exterior e lavagem de dinheiro, o homem mais procurado do verão brasileiro de 2013/2014 seguirá livre enquanto e lentidão da Justiça permitir. Até uma nova condenação, sua única restrição é fazer justamente o que pretendia quando fugiu do Brasil em busca de um novo julgamento: Pizzolato não pode deixar o território italiano.

“Como esse cara saiu do Brasil sem que ninguém soubesse?”

Como um dos condenados no maior julgamento da história do Brasil deixa o país sem passaporte a semanas de receber sua condenação a 12 anos e sete meses de prisão? Foi essa pergunta que moveu a jornalista Fernanda Odilladurante sua pesquisa para Pizzolato - Não existe plano infalível (Leya), lançado em setembro passado. No livro, a jornalista conta detalhes dos planos do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil para tentar escapar da prisão e narra a sequência de eventos que levou a sua detenção em Maranello, na Itália, no dia 5 de fevereiro deste ano.

Para reunir as informações, a jornalista, que deixa a Folha de S.Paulo neste mês para um doutorado em estudos brasileiros sobre corrupção no King’s College London, onde já tem mestrado em criminologia, viajou durante 45 dias por dez cidades para refazer a fuga de Pizzolato, primeiro pela Argentina, por onde o ex-diretor do Banco do Brasil deixou o país, e depois pela Itália, onde o condenado seria preso após passar meses incógnito e, hoje, aproveita um pouco da liberdade que a lentidão da Justiça lhe permite.

A autora diz que optou por escrever de forma leve, “romanceada”, e, para tanto, submeteu o manuscrito a testes de leitura da mãe, “uma aposentada de 79 anos”, e até da diarista. Em entrevista, a jornalista conta o que mais lhe surpreendeu durante a apuração das informações e as dificuldades por que passou para conseguir detalhes da vida do único mensaleiro condenado a tentar fugir da polícia.

Eis a entrevista.

Quando percebeu que a historia de Pizzolato valia um livro?

Quando ele [Pizzolato] divulgou a carta para dizer que queria um julgamento mais justo e, por isso, estaria na Itália, eu pensei: “Puxa, como esse cara saiu daqui sem que ninguém soubesse?”. Daí, passei a acompanhar as investigações. Mas a ideia do livro surgiu mesmo no dia da coletiva de imprensa, em 5 de fevereiro, quando eles [a polícia] anunciaram a prisão do Pizzolato na Itália. A cada transparência que os delegados iam passando na apresentação, eu reforçava a impressão de que essa história dada um livro. Comecei a escrever no dia seguinte.

Por onde o trabalho começou?

Eu comecei a fazer um levantamento de quem eram seus amigos, parentes, inimigos, aliados políticos e quais eram os policiais no Brasil e na Itália que se envolveram diretamente com a investigação. A ideia era fazer [um relato] sobre busca e prisão, nunca foi fazer um raio X da participação dele no mensalão ou uma biografia. Mas não dava para deixar passar passagens da infância, nem a CPI [dos Correios, que revelou o esquema] e o julgamento, afinal de contas, ele fugiu porque foi condenado pelo mensalão. Tentei ser o mais justa possível, não queria entrar no mérito [da condenação] ou transformá-lo em herói ou vilão.

O livro tem detalhes de todos os locais por onde o fugitivo passou. Como foi feita a apuração?

Tirei férias e folgas e fiquei 45 dias viajando. Fui até a fronteira com a Argentina; fui para Concórdia, em Santa Catarina, que é a cidade natal dele, e falei com alguns parentes, para tentar recontar a infância dele. Passei pelo Rio de Janeiro [onde Pizzolato morava] várias vezes e, numa delas, conseguiu entrar no apartamento dele e conversar com vários vizinhos. Na Itália, fui para Roma, onde falei com o pessoal da Interpol e o adido [da Polícia Federal brasileira na Itália], e refiz os passos dele em La Spezia e Porto Venere, onde fiquei hospedada na mesma pousada em que ele ficou. Depois passei por Maranello, onde ele foi preso, e fui para Modena, onde fica a penitenciária em que ele ficou detido [entre fevereiro e outubro deste ano]. Ainda passei por Bolonha, onde foi o primeiro julgamento, que acabou adiado sem decisão.

Qual foi a informação mais valiosa dessa pesquisa?

A primeira é que já se sabia que ele tinha deixado um testamento, mas não se sabia especificamente por que, qual era a ideia. Passei umas oito horas na casa do amigo que o levou até a fronteira [Alexandre Teixeira, colega de Banco do Brasil apelidado de “Terremoto”]. A gente conversou várias vezes, mas, nesse dia, no meio da conversa, ele revelou que a ideia [de forjar a própria morte] tinha sido dele [Terremoto], e contou: “Ele ia morrer. Esse era o único jeito [de escapar]”. Por algum tempo, até pensei que a frase do Terremoto — “Pizzolato, tu vai ter que morrer” — tinha que ser o nome do livro.

Outra informação importante é o momento em que a polícia sacou que Celso Pizzolato [irmão falecido cuja identidade foi usada pelo foragido] era na verdade Henrique Pizzolato. Na coletiva de imprensa sobre a prisão, ninguém percebeu que as coisas tinham se resolvido em 24 horas.

Qual foi sua maior dificuldade durante a apuração das informações?

O acesso à família dele. Era um momento muito complicado. Ele ainda estava preso e a família não sabia se a dupla cidadania seria suficiente para mantê-lo na Itália, livre. Então, eles estavam muito fechados e com receio de falar. Eu também estava constrangida de ficar insistindo. O mais difícil foi conseguir convencer os amigos e os parentes a contarem um pouco da história dele. Outra dificuldade foi a própria escrita, por eu estar acostumada à rotina do noticiário diário. Então, o exercício de escrever e reescrever era atordoante em alguns momentos. Acabei descobrindo que escrevo muito bem dentro de avião ou na sala de embarque, mas o livro exigiu muita disciplina e persistência, por causa do prazo curto.

O livro é de leitura fácil. Como chegou a esse resultado?

Eu quis fazer uma narrativa mais romanceada. Um texto bom de ler. E eu fazia testes com a minha mãe, que é uma aposentada de 79 anos, e com a diarista aqui de casa. Eu escrevia e falava: “Dá uma lida, o que você entendeu? Você viu a cena?”. A história era tão incrível que eu achei que não merecia um texto quadrado, careta, mas um texto mais fluido, descritivo. Isso foi um desafio, porque, trabalhando com reportagem diária, você acaba muito preso ao factual, não tem tempo de contar histórias. Ainda mais cobrindo polícia em Brasília, que é sempre muita adrenalina o tempo todo.

E o que acha que faltou ao livro?

Meu grande lamento é não ter entrevistado o próprio Pizzolato e a mulher dele. Eu tentei de todos os jeitos, possíveis e impossíveis. Mandei recado, e-mail, mensagem no Facebook, no Skype, deixei cartão com o sobrinho que mora na Itália, falei com os advogados italianos, pedi para o Pizzolato escrever uma carta dizendo que ele quisesse, pedi para o advogado intermediar, mas ele não quis, de jeito nenhum, muito preocupado com uma possível interferência no julgamento. Tanto que, até hoje, ele só deu duas entrevistas depois do julgamento [da extradição na Itália], e sempre quando pego de surpresa. Ele ainda não parou para contar tudo o que aconteceu, com calma, por isso tentei ouvir a maior quantidade de amigos e parentes possível para tentar suprir a falta da narrativa dele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário