domingo, 25 de fevereiro de 2018

Recuperação de mananciais passa por soluções para moradia nas cidades

Rio Cachoeira -Itabuna (BA)
Com os crescentes riscos à segurança hídrica das metrópoles brasileiras, a preservação e recuperação dos mananciais se torna um tema cada vez mais importante. A discussão envolve outras questões de difícil solução, como a falta de moradias nos centros urbanos. “Não há solução que não passe pelo problema na habitação. Quando a gente fala disso, não é possível se resolver uma coisa sem resolver a outra. Há um déficit gigantesco de moradia, nas áreas metropolitanas principalmente. As pessoas acabam indo morar onde conseguem”, enfatiza o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.
A preservação e a recuperação dos mananciais estão entre os pontos da agenda do 8º Fórum Mundial da Água, organizado pelo Conselho Mundial da Água, que será realizado em Brasília de 18 a 23 de março. Vários projetos desenvolvidos em municípios brasileiros serão apresentados durante o evento.

A prefeitura paulistana não tem dados específicos sobre ocupação de mananciais. No entanto, a Secretaria Municipal de Habitação contabiliza, com dados atualizados até o último mês de outubro, 1.705 favelas na capital paulista. Dessas comunidades, 58 estão em áreas que fazem divisa com outros municípios, onde se concentra a maior parte das nascentes ainda preservadas.
Os assentamentos irregulares têm duplo impacto das fontes de água potável, como explica o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo José Carlos Mierzwa. “Na medida em que você ocupa, você diminui a capacidade de concentração de água para continuar alimentando os mananciais. Você tem, por um lado, a redução da recarga do manancial, a redução do volume que chega ao manancial. Por outro, o aumento da intensidade de poluição”, explica.
Essa situação, especialmente em relação à contaminação promovida pela falta de coleta e tratamento de esgoto, acaba por inviabilizar fontes de abastecimento. Édison Carlos aponta como exemplo desse tipo de situação a Represa Billings, na zona sul da capital paulista, que, mesmo com uma grande capacidade de armazenamento, não pode ser completamente utilizada para o fornecimento de água. “O Sistema Billings cheio é maior do que o Cantareira. A gente só fala do Cantareira. Por que não se fala da Billings? Porque está no grau de contaminação tal que não dá para considerar aquele reservatório gigantesco”, destaca.
Áreas irregulares e de risco
Para enfrentar o problema, a coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, afirma que é preciso analisar as situações. “Separar o que é ocupação irregular nessas áreas de baixo valor econômico hoje, que são áreas de manancial, do que é área de risco”, diz Malu sobre as situações que podem ser regularizadas e os locais que não devem ser ocupados de forma alguma. Esses pontos críticos, estão, de forma geral, muito próximos aos mananciais e sujeitos a inundações.
Por isso há a necessidade de que algumas comunidades sejam removidas, demandando investimentos habitacionais do Poder Público. Malu Ribeiro afirma que não se pode, quando a ocupação está em um local crítico, assumir que como a população está há muito tempo no local não pode ser retirada. “Isso não é verdade. Quando é para fazer um prolongamento de avenida, como foi a duplicação da Faria Lima, ou uma rodovia, desapropria-se tudo que está consolidado”, compara.
Despoluição e recuperação das matas
Como exemplo de processo desse tipo em que a realocação das pessoas foi feita com sucesso, a coordenadora cita o caso dos Bairros Cota, na região de Cubatão, próximo à Baixada Santista. “Eram áreas consolidadas, foram décadas dessas ocupações que estavam afetando tanto o Parque Estadual da Serra do Mar como a disponibilidade de água na Baixada Santista”, lembra.
A partir de um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o governo do estado de São Paulo foi investido um montante de R$ 1 bilhão para desfazer as comunidades que estavam instaladas havia cerca de 60 anos na Serra do Mar, desde a década de 1950. O projeto prevê ainda o reflorestamento das áreas. Os antigos moradores dos Bairros Cotas foram deslocados para diversos conjuntos habitacionais construídos na região.
Como bom exemplo, Malu cita ainda a despoluição do Rio Jundiaí, promovida pelo consórcio das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). “Foi associada a recuperação das matas ciliares à criação de áreas protegidas e investimento em saneamento básico. O rio saiu, durante a crise hídrica, da classe 4, que é o pior uso da água no Brasil, totalmente poluído, para a classe 3. E passou a ser utilizado como água de manancial para abastecimento público das cidades de Indaiatuba e Salto”, detalhou sobre o processo iniciado em 1982 para colher frutos no ano passado, quando foi mudada a classificação do uso das águas.
Para o professor Carlos Mierzwa, se os municípios da Grande São Paulo agissem de forma 
combinada, seria possível reverter a situação de poluição extrema de outros mananciais. Assim, seria evitada a necessidade de a metrópole buscar novas fontes de água em regiões cada vez mais distantes. “Se você tivesse uma melhor infraestrutura de coleta e tratamento de esgoto, a qualidade do Rio Tietê ficaria melhor e essas cidades do interior e da região metropolitana poderiam utilizar a água, inclusive São Paulo. Isso diminuiria um pouco esse conflito pelo uso da água”.

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