domingo, 24 de junho de 2018

São João Batista


O Bispo da Diocese de Ilhéus. Dom Mauro Montagnoli, durante a Missa em comemoração ao dia do nascimento do São João Batista, a homilia proferida sobre as leituras do livro de Isaías 49,1-6., dos Salmos 139(138),1-3.13-14ab.14c-15., do livro dos Atos dos Apóstolos 13,22-26 e o evangelho segundo S. Lucas 1,57-66.80.
Na primeira leitura (Is 49, 1-6) temos o início do segundo Cântico do Servo. Este é um texto que a Igreja reflete na Semana Santa, mas hoje ela nos convida a olhar a relação do início de Is 49 com o Evangelho que fala do nascimento de João Batista. 
Primeiramente podemos dizer que a leitura do Cântico do Servo não se entende sem compreender que no início há uma aliança, um Deus que escolhe antes de nascer. Ou seja, a iniciativa de ir formando um coração profético nasce de um Deus que está inquieto com o sofrimento de seu povo; não fica olhando como simples espectador, mas se envolve. 
Deus escolheu o ventre da mãe para ir formando um coração profético. Deus fala e solicita sua atenção: “Ilhas, escutem, prestem atenção, povos distantes” (Is 49,1). É necessário restaurar e fazer uma nova organização política, social, fraterna, justa. 
Quando o povo pensava que seu trabalho era inútil, quando ia perdendo a força, quando os movimentos se estavam fragilizando, o servo, o povo, vive a experiência de encontrar sua força e sua esperança no Deus que caminha com as pessoas. Por isso, vamos ficar com duas expressões da primeira leitura: "Eu ainda estava no ventre materno, e Javé me chamou; eu estava nas entranhas da minha mãe, e ele pronunciou meu nome"... 
Reconhecer a iniciativa de Deus em nossa vida é o caminho que permite ir formando um coração profético, pois a boca vai falar da escuta singela da voz de Deus no meio da complexidade da vida. 
Hoje vamos reconhecer a presença de Deus, que nos diz: “Você é meu servo, Israel, e eu me orgulho de você” (Is 49, 3). A dimensão profética se vai formando com um ouvido em Deus e outro no povo, nas necessidades da vida, da corporeidade, do país. Por isso, junto com o salmista, vamos repetir: “Senhor, teu amor perdura para sempre! ”. 
O evangelho trata justamente do nascimento e imposição do nome de João, que significa Deus é misericordioso e bondade. O relato do nascimento e circuncisão do precursor de João está carregado de alegria, otimismo e esperança. Ele é uma bênção para os pais e motivo de alegria para a vizinhança. A idade avançada dos pais torna-se ocasião para os prodígios divinos; o mutismo do pai Zacarias transforma-se em exuberância profética; a esterilidade da mãe Isabel torna-se fecundidade; o medo e as dúvidas dos vizinhos, “o que será desse menino? ”, dão passagem à alegria e à esperança. Com o menino algo de novo há de vir. 
Alguns dados que formam parte do contexto: sabemos que João nasceu seis meses antes de Jesus e que seu nascimento coincide com o solstício de verão no hemisfério norte, época em que os habitantes do campo festejavam a proximidade das colheitas e, para afastar as pestes dos cereais e estiagens, faziam sacrifícios acendendo fogueiras. Também fazem parte da tradição, danças ao redor do fogo e saltos sobre as chamas. Clima de festa, de vizinhos, de partilha. 
João Batista é o elo entre o Antigo e o Novo Testamento. Depois de proclamar Jesus “Cordeiro de Deus”, foi elogiado como “o maior entre os nascidos de mulher”. Ele é lembrado como homem de grande mortificação, iniciado talvez nas comunidades religiosas do deserto. 
Em todo o Brasil se celebra esta data significativa, mas não podemos esquecer que é no corpo de uma mulher que o movimento profético faz continuidades e rupturas. 
Continuidades no sentido da familiaridade entre sua mãe e Maria, entre João Batista e Jesus. Há um clima familiar e de empatia que também é profético, pois vivemos um clima de muita desconfiança e desesperança. As mulheres do Evangelho de hoje foram também inspiradoras da alegria do Evangelho, no sentido que souberam descobrir por onde há um fio de vida que deve continuar e comunicar-se, foram criativas, buscaram encontrar-se no meio das dificuldades da gravidez. 
Quais espaços são de fortaleza, de vida no meio de um ambiente complexo? Quais são os espaços onde se pode cultivar a empatia com a proposta do Evangelho? Quais movimentos hoje oportunizam encontros significativos? 
João Batista, sua mãe e Zacarias são ícones inspiradores neste momento da história, em que temos necessidade de profetas. A figura de João Batista pode nos ajudar a abrir caminhos novos para que haja mais justiça, igualdade, dignidade e beleza na nossa sociedade contemporânea. 
A missão de João Batista não terminou quando Jesus se apresentou. Ela continua necessária em todos os tempos, pois a luz do sol ainda não surgiu em todos os lugares, e pode acontecer também que em algum lugar já tenha escurecido. Anunciar o sol é uma figura para dizer que em todas as circunstâncias é preciso preparar os corações para receber o Enviado do Pai, o próprio Filho de Deus. Em nossa sociedade urbano-industrial, o sol de Cristo parece estar obnubilado – quem sabe, pela poluição ... mental. 
Estamos vivendo o ano nacional do laicato que tem como tema “Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade” e como lema, “sal da terra e luz do mundo”. A Igreja explicita qual é o serviço cristão ao mundo. “É missão do povo de Deus assumir o compromisso sociopolítico transformador, que nasce do amor apaixonado por Cristo. Desse modo, se incultura o Evangelho. “O povo pobre das periferias urbanas ou do campo necessita sentir a proximidade de Igreja, seja no socorro de suas necessidades sais urgentes, como também na defesa de seus direitos e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz” (DAp n. 550). (Doc. 105 da CNBB n. 162) 
A atuação do cristão leigo e leiga no social e no político é um verdadeiro “serviço ao mundo”. “A participação consciente e decisiva dos cristãos em movimentos sociais, entidades de classe, partidos políticos, conselhos de políticas públicas e outros, sempre à luz da Doutrina Social da Igreja, constitui-se num inestimável serviço à humanidade e é parte integrante da missão de todo o povo de Deus”. (Doc. 105 da CNBB. n 162) 
Não esqueçamos a dimensão festiva e profética de celebrar com familiaridade, partilhar a comida e a bebida com amigos e vizinhos e cuidar de nossa terra comum. 
Que a Luz da Ressurreição continue sendo luz profética no meio de nossas comunidades que celebram e não deixam que roubem o espírito da vida para todos

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