sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Produtores de cacau querem renegociar dívidas de R$ 2 bi

Com dívidas que já superam os R$ 2 bilhões acumuladas há cerca de 20 anos, os produtores de cacau da Bahia se articulam para conseguir os mesmos benefícios que os pequenos produtores do semiárido do Nordeste devem usufruir se as modificações na MP 842 não forem vetadas pelo governo. O objetivo é tirar muitos dos cacauicultores locais da inadimplência, para que consigam voltar a ter financiamento e invistam nas lavouras, cuja produtividade está praticamente estagnada há anos. 
O relatório da MP, aprovado na última semana em comissão mista, excluiu uma proposta de emenda da senadora Lídice da Mata (PSB-BA) que estendia os descontos prometidos a agricultores do semiárido aos cacauicultores baianos que se endividaram na década de 1990 para combater a vassoura-de-bruxa. 
Com isso, o setor está se movimentando para que, quando a MP com as modificações chegar ao plenário da Câmara e do Senado – já como projeto de lei de conversão (PLV 25/2018) -, as bancadas ruralista e do Nordeste aliem-se para reapresentar a proposta. 
A Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária (CNA) e as associações das indústrias que processam cacau e que produzem chocolate reuniram-se na terça-feira, 21, com o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, para angariar apoio do governo. A Pasta concordou em dar o apoio técnico que for necessário ao setor. 
Se as condições previstas na emenda da senadora Lidice da Mata forem incluídas no PL, os cacauicultores que tomaram emprestado até R$ 200 mil na origem poderão quitar suas dívidas com descontos de até 95%, dependendo de quanto e quando contrataram. 
Caso decidam não liquidar seus passivos, eles poderão alongar o pagamento até 2030, com carência até 2021. Sem a modificação, os descontos aos produtores devem ser menores – de até 75% para a parcela da dívida de até R$ 35 mil. 
Para lideranças do segmento, essa brecha seria uma oportunidade “histórica” para sanar um problema que impede a retomada da produtividade do cacau, que nunca se recuperou de forma vigorosa desde que a vassoura-de-bruxa tomou conta da cultura na Bahia na década de 1990. “Não vamos resolver esse problema se não houver manejo. Mas é preciso de dinheiro, e um terço dos produtores [da Bahia] não pode pegar recurso porque está endividada”, afirma Eduardo Bastos, presidente da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC). 
O segmento também está pressionando a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia para conseguir permissão para derrubar árvores “exóticas”, sobretudo jaca e eritrina, que fazem sombra sobre os cacaueiros e limitam a produtividade do cacau, diz. Com a permissão e recursos em mão, os produtores podem realizar o manejo, o que também deve melhorar o rendimento, afirma. 
Praticamente toda a dívida dos produtores de cacau do Estado hoje é decorrente do Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira (PRLC). Esse financiamento foi oferecido pelo governo federal a partir da década de 1990 para o combate à praga e previa empréstimos para a aplicação de um pacote tecnológico então oferecido pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Mas o pacote não resolveu o problema agronômico – pelo contrário, agravou-o, e ainda endividou os produtores. 
Algumas oportunidades de renegociação foram oferecidas nesse período, mas os cacauicultores reclamam que as condições eram restritas, já que o valor das dívidas foi crescendo ao longo do tempo, superando o limite de enquadramento nos programas de reestruturação oferecidos. “Nunca houve uma renegociação que abarcasse todos os perfis de dívida. Essa renegociação proposta agora abarca todos, por isso é bastante interessante”, defende Guilherme Moura, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb). 
Atualmente, a dívida bruta dos cacauicultores baianos está em R$ 2,5 bilhões, divididos entre cerca de 18 mil agricultores, conforme levantamento da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) com o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste (BNB). O valor líquido (excluindo títulos públicos na mão de produtores que poderiam ser usados no abatimento das dívidas) está em R$ 1,5 bilhão, segundo Nelson Fraga, assessor da FPA. 
Outra frente de pressão será junto ao Tesouro. Como parte das dívidas foi refinanciada a partir de 1998 e está inscrita no Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA), os cacauicultores querem que o Tesouro reconheça como “valor original” do débito não o montante refinanciado no PESA, mas o inicialmente contratado pelo PRLC. Segundo Fraga, esse reconhecimento pode ser feito via Tesouro, não necessariamente demandando mudança na lei.

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