quarta-feira, 13 de março de 2013

Jorge Mário Bergoglio: pela primeira vez, um Papa jesuíta e latino-americano



Arcebispo de Buenos Aires, o argentino tem uma abordagem própria da pobreza e foi um forte oponente à legalização do casamento gay em seu país
O Papa eleito Jorge Mario Bergoglio acena para a multidão na sacada da Basílica de São Pedro DYLAN MARTINEZ / REUTERS
RIO - O Papa eleito para suceder Bento XVI, o argentino Jorge Mario Bergoglio, já começa o pontificado marcando a História da Igreja Católica. Ele será o primeiro Pontífice jesuíta, latino-americano, e também o primeiro a se chamar Francisco. Assim como a renúncia de Joseph Ratzinger, a escolha do arcebispo de Buenos Aires pegou o mundo de surpresa. Ele não vinha sendo apontado como um dos favoritos e venceu a barreira da idade. O argentino assume o Trono de Pedro com 76 anos, um a menos que Ratzinger quando foi eleito em 2005, apesar da expectativa de que fosse escolhido um líder mais jovem.
Bergoglio é um jesuíta intelectual, nomeado cardeal por João Paulo II em 21 de fevereiro de 2001. Leitor apaixonado de Dostoievski, Borges e outros clássicos, tornou-se o primeiro Papa não europeu desde 741, quando foi eleito o sírio Gregório III. O argentino tem uma abordagem própria da pobreza: quando integrou o Colégio Cardinalício, convenceu centenas de argentinos a não voarem a Roma para celebrar com ele mas, em troca, doar o dinheiro que gastariam para os pobres. Os argentinos já não se espantam ao vê-lo no ônibus ou no metrô em Buenos Aires. Mas mesmo seu porta-voz, Guillermo Marco, se surpreendeu em Roma ao perguntar ao religioso, já com sua roupa vermelha de cardeal, como iriam para a Santa Sé.
- Como como vamos? Caminhando - E diante da surpresa do funcionário acrescentou com uma gargalhada: - Fique tranquilo, porque em Roma você pode caminhar com uma banana em cima da cabeça que ninguém vai dizer nada.
Membro da Companhia de Jesus, ele foi um dos fortes candidatos para ser o sucessor de João Paulo II. Considerado um moderado, de carreira acadêmica, o novo Papa foi um forte oponente à legalização do casamento gay na Argentina em 2010 e se posiciona contra o uso de preservativos para prevenir doenças. Aberto ao diálogo com outras religiões, ele não é suspeito de ter se envolvido em nada relacionado à pedofilia de padres ou ao escândalo Vatileaks (vazamento de documentos secretos do Vaticano). Entre suas prioridades está a reforma da Curia Romana.
Bergoglio vive sozinho em um apartamento simples, no segundo andar do edifício da Cúria, ao lado da Catedral de Buenos Aires. Inimigo de aparições, evita se expor à mídia. A discrição lhe permite viajar de metrô e de ônibus como um passageiro comum. Muitas vezes, confessa na catedral como um sacerdote qualquer. Pouco depois de ser ordenado padre sofria de problemas respiratórios e, após uma cirurgia, perdeu um pulmão. Atualmente, suas condições de saúde são favoráveis, fruto de uma vida regrada e austera.
Quando foi ordenado cardeal, ao contrário dos outros, não comprou uma roupa nova, mas pediu que fosse dada de presente a de seu antecessor, Quarracino.
Filho de italianos, Bergoglio nasceu em 17 de dezembro de 1936 em Buenos Aires. Seu pai trabalhava no setor ferroviário, e sua mãe era dona de casa. Com 21 anos, depois de obter o título em técnico químico, decidiu seguir a vida religiosa. Foi ordenado sacerdote em 1969. Entre 1973 e 1979, em plena ditadura militar, serviu como superior provincial dos jesuítas.
Após intensa atividade como sacerdote e professor de Teologia, foi consagrado bispo em maio de 1992. Seis anos depois, foi nomeado arcebispo de Buenos Aires. Na Santa Sé, é membro da Congregação para o Culto Divino; da Congregação para o Clero; da Congregação para os Institutos da Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica; do Pontifício Conselho para a Família e da Pontifícia Comissão para a América Latina.
Uma Papa em confronto com a política
Apesar de ser considerado de centro por alguns analistas, o jornal argentino “Clarín” afirmou que as posturas de Bergoglio são geralmente consideradas progressistas. Em setembro do ano passado, ele criticou duramente os sacerdotes que não aceitam batizar filhos de mães solteiras, chamando-os de “hipócritas”.
- Estes são os hipócritas de hoje. Os que clericalizaram a igreja. Os que afastam o povo de Deus da salvação - afirmou, em um encontro pastoral na Universidade Católica Argentina (UCA).
Em reportagem sobre os papáveis no começo deste mês, o jornal italiano “La Stampa“ havia classificado Bergoglio como uma figura-chave do conclave, mas descartou sua eleição, devido à idade avançada.
“Nos últimos anos, o prestígio de Bergoglio foi crescendo tanto na Igreja latino-americana quanto dentro do colégio cardinalício”, analisou o jornal. “Em sua diocese, há tempos a Igreja está pelas ruas, nas praças, para evangelizar”, afirmou o “La Stampa“, lembrando que o cardeal destaca a necessidade de “estar na periferia para evitar a enfermidade espiritual de uma igreja autorreferencial”.
Bergoglio vem de um país marcado por confrontos entre o Estado e a cúpula eclesiástica. No último dia 1º de março, na cerimônia de reinício das atividades legislativas, a presidente argentina referiu-se ao processo de sucessão no Vaticano e aproveitou para lembrar que seu vínculo com a Igreja não é dos melhores:
- Sou parte da Igreja, embora tenha minhas diferenças com suas autoridades - afirmou.
Bergloglio, que ficou em segundo lugar na votação do Conclave de 2005, criticou várias vezes o “clima de confronto política” que, segundo ele, predomina há vários anos. Em 2010, por exemplo, Bergoglio assegurou que “é próprio da alta política começar e manter processos, em vez de confrontar para dominar espaços” de poder.
- A relação entre Cristina e a Igreja é fria e distante - comentou o jornalista do “Clarín” Sergio Rubin, autor de um livro sobre conversas com Bergoglio.
Segundo ele, “Kirchner e Cristina nunca gostaram das homilias de Bergoglio porque as interpretam como críticas a seus governos”.

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