terça-feira, 26 de março de 2013

Missa do Crisma

Dom Mauro Montagnoli Bispo da diocese de Ilhéus 

Queridos irmãos e irmãs. 

O óleo, azeite doce, líquido untuoso de propriedades que penetram e reconfortam, foi desde sempre um material preferencial usado nos rituais. No AT ele é utilizado para a unção dos reis (1Sm 10,1) e, após o exílio, para a unção do grande sacerdote (Ex 29,7), enquanto que a unção dos profetas é de ordem metafórica (Is 61,1). No NT Cristo, cujo título significa “crismado”, “untado de óleo”, recebe a unção profética em seu batismo (At 10,38; cf. Lc 4,18-21). Hebreus 1,9 atribui-lhe também a unção real do Salmo 44,7: “O teu trono, ó Deus, dura para sempre, é cetro justo o cetro do teu reinado”. A imagem da unção é utilizada também em relação aos seus discípulos: “È Deus que nos confirma, a nós e a vós, em nossa adesão a Cristo, como também é Deus que nos ungiu” (2Cor 1,21) e “Quanto a vós, a unção que recebestes de Jesus permanece convosco...” (1Jo 2,27). 
Desde o início no cristianismo se usa o óleo na celebração dos sacramentos. Na Tradição apostólica (Roma, c. 215), o bispo abençoa um óleo para o reconforto dos doentes; no batismo, ele abençoa um óleo de exorcismo (óleo dos catecúmenos) e um óleo de ação de graças com o qual o padre, e depois o bispo, farão as unções depois do batismo (nos sacramentos da Crisma e da Ordem). Esse óleo perfumado receberá o nome de crisma, no Ocidente. 
Normalmente a Quinta Feira santa é o dia da bênção dos óleos que servirão nos batismos da vigília pascal. Por razões pastorais é permitido fazer essa bênção em outro dia da semana santa, ou próximo a ela. 
Esta solene liturgia transformou-se em oportunidade para reunir todo o presbitério em torno do seu bispo e para fazer da celebração uma festa do sacerdócio. Os textos bíblicos e as orações desta missa evidenciam e recordam essa realidade. 
A 1ª leitura (Is 61,1-3a.6a.8b-9) descreve a missão do profeta como pregador da salvação e do amor de Deus pelo seu povo, agora purificado pelo exílio. Anuncia a libertação, através da qual Deus reconduzirá o povo à sua terra, fará com ele um novo pacto e o tornará um povo sacerdotal. 
A 2ª leitura (Ap 1,5-8) apresenta Jesus Cristo, o ungido, que nos liberta do pecado e faz de todos nós o novo e definitivo povo sacerdotal, cujo sinal exterior é a unção com o óleo santo. Assim, a Igreja continua a consagrar os óleos que servirão para assinalar a fronte dos seus membros. 
No Evangelho (Lc 4,16-21) Jesus se sente “ungido” pelo Espírito de Deus, impregnado por sua força. Por isso, seus seguidores o chamarão “Cristo”, ou seja, “Ungido”, e por isso eles próprios serão chamados “cristãos”. Para Lucas, é uma contradição ser chamado “cristão” e viver sem esse Espirito de Jesus. 
Esta reunião do bispo com seu presbitério é sinal visível da natureza profética do sacerdócio ministerial no NT chamado, como Cristo, “para evangelizar os pobres, para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18). Se o ministério presbiteral está essencialmente ligado à eucaristia, é igualmente verdade que esse ministério converge para a eucaristia antes de tudo com o anúncio do evangelho e nela encontra toda a amplitude e profundidade de sua missão profética. 
Nesta celebração os presbíteros fazem a renovação das promessas sacerdotais. Com essas promessas se criam os laços que unem mais estreitamente os presbíteros ao bispo. Esta realidade recebe hoje o nome de diocesaneidade, que é como que um estado de consagração “no qual os sacerdotes, mediante votos ou outros laços sagrados são chamados a encarnar na vida os conselhos evangélicos” (cf. PDV 81) vivendo em um território chamado diocese. 
A diocesaneidade caracteriza a identidade do presbítero diocesano no atendimento das necessidades pastorais da Igreja local. A diocese, com suas características geográficas, humanas, culturais, econômicas, seus cos­tumes e sua identidade demográfica, é o lugar existencial do nascimento da vocação e do exercício do ministério. O presbítero é diocesano, não paroquial. 
O padre, vive essa sua diocesaneidade colaborando com a Igreja particular na evangelização e salvação das pessoas num determinado território que denominamos paróquia (cf. cân. 515 & 1). A paróquia é do presbitério. 
Uma das maneiras para revitalizar as paróquias é encarnar o espírito da diocesaneidade que se manifesta em três situações bem concretas: 
1. Amor à Igreja diocesana e comprometimento com ela. Desde a orde­nação diaconal, o presbítero cria um vínculo jurídico, espiritual e espon­sal com a diocese. Os presbíteros estão unidos entre si por íntima fraternidade que, espontânea e livremente, se manifesta no mútuo auxílio, espiritual como material, pastoral como pessoal, em reuniões e comunhão de vida, trabalho e caridade (cf. LG 28). Esse sentido de pertença bem concreta, se manifesta na participação no que aconte­ce na Igreja diocesana, na presença nas atividades pastorais, no comprometimento com conselhos, comissões, encontros, planejamentos, avaliações, assembleias, cursos, confraternizações, ordenações, tomada de posse. 
2. Fidelidade ao bispo. Na resposta dada na ordenação de colabo­rador do bispo, os presbíteros são considerados: “solícitos cooperadores da ordem episcopal, seu auxílio e instrumento, chamados para servir ao povo de Deus” (LG 28). O bispo é o grande responsável pela Igreja diocesana, é o ordinário da diocese. Tem o múnus de ensinar, santificar e governar e transmite esse múnus ao sacerdote para exercê-lo numa determinada paróquia. Este exercício deve ser realizado na obediência e fidelidade ao bispo. Para tanto, o Código de Direito Canônico (cânon 528) orienta o presbítero no cumprimento da missão, dinamizando a diocese num território específico, a paróquia. 
3. Comunhão presbiteral, porque é importante para o bispo ter ao redor de si a realidade do presbitério, da comunidade de sacerdotes que se aju­dam, que estão juntos num caminho comum, numa solidariedade na fé comum. Os presbíteros constituem verdadeira comunidade de irmãos que de­vem sustentar-se e ajudar-se mutuamente. Essa comunhão entre os sa­cerdotes é hoje mais importante que nunca, pois “nenhum sacerdote é sacerdote sozinho; nós somos um presbitério, e só nessa comunhão com o bispo é que cada um pode prestar o próprio serviço” (Bento XVI, discurso, 6 de agosto de 2008). 
Gostaria também de salientar um outro aspecto importante da vivência da diocesaneidade: 
4. O exercício do poder. E aqui faço uso das palavras do Papa Francisco: “É certo que Jesus Cristo deu um poder a Pedro, mas de que poder se trata? À tríplice pergunta de Jesus a Pedro sobre o amor, segue-se o tríplice convite: apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas. Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé, de São José e, como ele, abrir os braços para guardar todo o Povo de Deus e acolher, com afeto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos, os mais pequeninos, aqueles que Mateus descreve no Juízo final sobre a caridade: quem tem fome, sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão (cf. Mt 25, 31-46). Apenas aqueles que servem com amor capaz de proteger”. (homilia na inauguração do pontificado, 19.03.2013) 
Na vivência da diocesaneidade teremos paróquias vivas, alegres e cria­tivas e, além do mais, vamos entender que não são as paróquias que fazem a diocese, mas o contrário: a diocese faz as paróquias. 
Vivendo o clima do Centenário da criação da nossa diocese peçamos ao Senhor da messe que intensifique em nós esse espírito de diocesaneidade a fim de que, pastores e ovelhas, consigamos realizar, a exemplo de Maria, Nossa Senhora das Vitórias e de São Jorge, nosso mártir e padroeiro, a vocação à qual somos chamados por Deus no batismo: ser discípulos e testemunhas do Reino de Deus, no seguimento fiel ao Senhor Jesus Cristo, caminho, verdade e vida. Assim poderemos afirmar com coragem e decisão: “O que vimos e ouvimos nós anunciamos”. 
Desejo a todos uma feliz e santa páscoa. 








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