sábado, 18 de outubro de 2014

As reações da frente conservadora sobre matrimônio e sexualidade

Na Igreja de hoje, todo mínimo desvio da linha oficial coagulada pelos 30 anos de Wojtyla-Ratzinger levanta reações escandalizadas de violada ortodoxia.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minnesota, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio TheHuffingtonPost.it, 15-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O "esclarecimento" sobre o relatório de segunda-feira
Artigo de Massimo Faggioli- A coletiva de imprensa de terça-feira começou com um "esclarecimento" do cardeal Baldisseri, lido pelo padreLombardi, sobre o fato de que o relatório lido no Sínodo na segunda-feira de manhã pelo cardeal Erdö é um "instrumento de trabalho" provisório e não um texto definitivo: claro sinal da reação da frente conservadora no Sínodo, já na segunda-feira, diante de um texto, o do cardeal húngaro, que apresenta ênfases novas, mas não propõe soluções radicais sobre nenhum dos temas candentes; que reconhece o fim do controle total e exclusivo da Igreja sobre o matrimônio e a sexualidade, mas não propõe novos ensinamentos doutrinais.
Mas, na Igreja de hoje, todo mínimo desvio da linha oficial coagulada pelos 30 anos de Wojtyla-Ratzinger levanta reações escandalizadas de violada ortodoxia. Também por isso a coletiva de imprensa com os cardeais Napier (África do Sul) e Filoni (prefeito da Congregação da Cúria Romana para a Evangelização dos Povos) foi a mais tensa e nervoso de todas as vistas até agora.
O cardeal sul-africano distanciou-se do texto de Erdö de modo claro, deixando entrever uma divisão dentro da frente conservadora liderada pelos cardeais Burke e Müller – e parando a poucos centímetros antes de acusar o Pe. Lombardi e o papa de manipularem o Sínodo.
Alemanha e Estados Unidos
Os alinhamentos teológico-culturais no Sínodo são transversais às nacionalidades, mas as nationes sempre desempenharam um papel nos concílios e nos sínodos da Igreja Católica, desde que as nações existem (começando pelas europeias no fim da Idade Média).
No Concílio Vaticano II, há 50 anos, na discussão do documento mais próximo do assunto em discussão hoje, isto é, a constituição sobre a Igreja no mundo moderno, Gaudium et spes, os bispos e teólogos alemães (já havia o jovemRatzinger) estavam céticos sobre um documento tão aberto à modernidade, enquanto os norte-americanos eram mais favoráveis.
No Sínodo de 2014, as partes se inverteram: os alemães estão atrás de Francisco para uma evolução da práxis pastoral sobre matrimônio e homossexuais na Igreja (o cardeal Marx publicou na terça-feira uma declaração de satisfação com o trabalho desenvolvido), enquanto os norte-americanos são contrários a qualquer mudança.
Mais do que a teologia conseguiu nos EUA, o impacto do reaganismo e da direita conservadora no mundo católico: os bispos europeus também foram todos nomeados por João Paulo II e Bento XVI nos últimos 35 anos, mas o cenário é muito mais plural e menos ideologizado do que o norte-americano.
Ativistas ou jornalistas?
Debate-se muito – especialmente por parte da frente conservadora – sobre o papel da imprensa no Sínodo, acusada de exagerar ou de ver novidades mesmo quando elas não existem. Ninguém inverte o discurso e tenta entender que tipo de imprensa gostariam os bispos e cardeais abertamente contrários ao Papa Francisco.
De fato, ninguém parece ter notado como o papel da imprensa verdadeira no Sínodo é acompanhado, se não em certos casos obscurecido, pelo dos ativistas. Uma das coisas surpreendentes (para dizer o mínimo) da coletiva de imprensa de terça-feira foi ver o enorme espaço dado, na própria coletiva de imprensa, a jornalistas-ativistas norte-americanos, como os da iniciativa Voice of the Family.
Esses jornalistas-ativistas incitaram abertamente o cardeal Napier na coletiva de imprensa (e nestes dias sabe-se lá quantos outros membros do Sínodo) a uma aberta rebelião contra o Sínodo, a relatio e a sua gestão. Isso diz muito sobre um fenômeno importante que está vindo à tona com o pontificado do Papa Francisco: no mundo anglo-saxônico especialmente, nas últimas duas décadas, uma geração de cristãos conservadores (muito mais consistente do que os "ateus devotos" italianos) se aproximou da Igreja de Roma como o último refúgio do pensamento conservador.
O Papa Francisco colocou novamente em discussão tudo isso: é compreensível que muitos convertidos ao catolicismo neoconservador (tanto política quanto teologicamente) devem se convencer que não está mudando nada com esse paradigma.
É menos compreensível que personagens como Michael Voris, agitador profissional da Church Militant TV, que recentemente acusou o cardeal Dolan, de New York, de ser" um bispo diabólico nas garras do diabo" por ter admitidoos gays na parada de St. Patrick, sejam convidados para desviar as coletivas de imprensa do Sínodo dos bispos noVaticano.
Na Igreja de hoje, todo mínimo desvio da linha oficial coagulada pelos 30 anos de Wojtyla-Ratzinger levanta reações escandalizadas de violada ortodoxia.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minnesota, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio TheHuffingtonPost.it,

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