segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Francisco é ovacionado no final do Sínodo dos Bispos

O Papa Francisco foi ovacionado de pé durante cinco minutos após fazer um discurso incrível aos 253 participantesda sessão de encerramento do Sínodo dos Bispos, no sábado, 18 de outubro, evento em que identificou cinco tentações, acabando por dizer: “temos um ano para amadurecer”.
Ao falar a partir de um texto que foi claramente escrito por ele mesmo, o papa começou elogiando a forma como os participantes se fizeram presentes na assembleia, “com um espírito de colegialidade e sinodalidade”.
Gerard O’Connell - O pontífice ficou sentado durante todas as sessões plenárias, observando com cuidado o que acontecia sem dizer uma palavra. No final do encontro, falou como viu este momento.
“Foi ‘um caminho’ – e como em todo caminho –, houve momentos de corrida veloz, quase correndo contra o tempo para chegar logo à meta”, disse ele. Será que ele estava se referindo ao relatório intermédio que desencadeou esperanças e reações em todo o mundo?
Mas houve também “momentos de cansaço, quase querendo dizer ‘basta’, e outros momentos de entusiasmo e ardor”, disse, talvez se referindo aos debates em grupo.
O papa lembrou igualmente os “momentos de profunda consolação”, enquanto ouviam os “testemunhos dos pastores verdadeiros que levam no coração sabiamente as alegrias e as lágrimas dos seus fiéis”. Aqui ele estava provavelmente se referindo aos bispos do Oriente Médio.
O pontífice mencionou também os “momentos de consolação e graça e de conforto escutando os testemunhos das famílias que participaram do Sínodo e partilharam conosco a beleza e a alegria de sua vida matrimonial”.
Foi um caminho, lembrou, onde “o mais forte sentiu o dever de ajudar o mais fraco, onde o mais esperto se apressou em servir os outros, mesmo por meio dos debates”.
Mas visto ter sido uma viagem feita por pessoas humanas, o papa disse que também houve “momentos de desolação, tensão e tentações”. E aqui, na parte mais incisiva e perspicaz de sua fala, ele identificou cinco tentações observadas no Sínodo.
Em primeiro lugar, “a tentação de enrijecimento hostil, isto é, de querer fechar-se dentro do escrito (a letra) e não deixar-se surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito); [querendo fechar-se] dentro da lei, dentro da certeza daquilo que conhecemos e não daquilo que devemos ainda aprender e atingir”.
Lembrou que “desde o tempo de Jesus, é a tentação dos zelosos, dos escrupulosos, dos cuidadosos e dos assim chamados – hoje – ‘tradicionalistas’ e também dos ‘intelectualistas’”. No entanto, não mencionou nenhum nome, nem olhou para alguém em particular.
A segunda é uma tentação “ao ‘bonismo’ destrutivo que, em nome de uma misericórdia enganadora, enfaixa as feridas sem antes curá-las e medicá-las; que trata os sintomas e não as causas ou raízes”.
É a “tentação dos ‘bonistas’, dos tementes e também dos assim chamados ‘progressistas e liberais’”, afirmou.
O papa viu uma quarta tentação como sendo aquela de “descer da cruz para contentar as pessoas, e não permanecer ali, para realizar a vontade do Pai; de submeter-se ao espírito mundano em vez de purificá-lo e submeter-se ao Espírito de Deus”.
Há uma quinta tentação, disse ele, que é “negligenciar o ‘depositum fidei’, considerando-se não custódios, mas proprietários ou donos ou, por outro lado, a tentação de negligenciar a realidade utilizando uma linguagem minuciosa e polida para dizer tantas coisas e não dizer nada”.
Olhando para a assembleia reunida, ele disse: “Estas tentações não devem nem nos assustar nem desconcertar e muito menos desencorajar, porque nenhum discípulo é maior do que seu mestre; portanto se Jesus foi tentado, os seus discípulos não devem esperar um tratamento melhor”.
O Papa Francisco confidenciou que ele teria ficado “muito preocupado e triste se não houvesse estas tentações e estas discussões animadas; se tudo tivesse sido de acordo ou taciturno em uma falsa e quietista paz”. Mas felizmente isto não aconteceu, observou ele com um sorriso. O religioso também mencionou ter ouvido “com alegria e reconhecimento, discursos e pronunciamentos plenos de fé, de zelo pastoral e doutrinal, de sabedoria, de franqueza, de coragem: e de parresia”, e disse: “Senti que foi colocado diante dos nossos próprios olhos o bem da Igreja, das famílias e a ‘suprema Lex’, a ‘salus animarum’”.
Falou-se abertamente, recordou o papa, mas sem “nunca colocar em discussão as verdades fundamentais do sacramento do matrimônio: a indissolubilidade, a unidade, a fidelidade e a ‘procriatividade’, ou seja, a abertura à vida”.
Francisco elogiou os participantes do Sínodo, dizendo-lhes: “Esta é a Igreja, a vinha do Senhor, a Mãe fértil e a Mestra atenciosa, que não tem medo de arregaçar as mangas para derramar o óleo e o vinho nas feridas dos homens; que não olha a humanidade de um castelo de vidro para julgar ou classificar as pessoas.”
Aliás, disse ele, “esta é a Igreja Una, Santa, Católica, Apostólica e formada por pecadores, necessitados da Sua misericórdia. Esta é a igreja, a verdadeira esposa de Cristo, que procura ser fiel ao seu Esposo e à sua doutrina. É a Igreja que não tem medo de comer e beber com as prostitutas e os publicanos”.
Esta é, acrescentou, “a Igreja que tem as portas escancaradas para receber os necessitados, os arrependidos e não somente os justos ou aqueles que acreditam ser perfeitos!”
Ele a descreveu como “a Igreja que não se envergonha do irmão caído e não faz de conta de não vê-lo, ao contrário, se sente envolvida e quase obrigada a levantá-lo e a encorajá-lo e retomar o caminho e o acompanha para o encontro definitivo, com o seu Esposo, na Jerusalém celeste”.
O Papa Francisco observou que muitos comentadores imaginaram que veriam uma Igreja “onde uma parte estivesse contra a outra, duvidando até mesmo do Espírito Santo, o verdadeiro promotor e garante da unidade e da harmonia na Igreja, quem sempre conduziu a barca [de Pedro] através dos seus ministros, mesmo quando o mar era contrário e agitado e os ministros infiéis e pecadores”.
O papa recordou o que dissera no dia de abertura do Sínodo, que “era necessário viver com tranquilidade, com paz interior, mesmo porque o Sínodo se desenvolve ‘cum Petro et sub Petro’, e a presença do Papa é garantia para todos”. Aqui o líder deixou ficou claro que ele é o Papa.
Neste momento, o pontífice voltou-se para a sua própria relação com os bispos. Com certeza ele sabia, embora não o tenha mencionado, que alguns prelados (como o cardeal Raymond Burke) afirmaram publicamente que ele, o papa, deveria intervir para defender a doutrina católica, ou para retirar da discussão alguns tópicos.
Olhando para os cardeais, bispos, padres, religiosos, leigos e leigas sentados em sua frente no salão sinodal, o papa explicou como via o seu papel na qualidade de Sucessor de Pedro.
“A missão do Papa é a de garantir a unidade da Igreja; é o de recordar aos fiéis o seu dever em seguir fielmente o Evangelho de Cristo; é o de recordar aos pastores que o seu primeiro dever é o de alimentar o rebanho – alimentar o rebanho – que o Senhor confiou a eles e de buscar acolhê-lo – com paternidade e misericórdia e sem falso medo – as ovelhas perdidas”.
A missão do papa, disse ele, é “recordar a todos que a autoridade na Igreja é serviço” e que a Igreja é de Cristo e de “todos os bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, têm a missão e o dever de custodiá-la e de servi-la, não como donos, mas como servidores”.
O papa neste contexto, disse, “não é o senhor supremo, mas sim um supremo servidor – o ‘servus servorum Dei’; o garante da obediência e da conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à Tradição da Igreja, deixando de lado todo arbítrio pessoal, mesmo sendo – por vontade do próprio Cristo – o ‘Pastor e Doutor supremo de todos os fiéis’ enquanto gozando ‘da potestade ordinária que é suprema, é plena, imediata e universal na Igreja”.
Em seguida, adiantando o sínodo de 2015, o Papa Francisco falou aos presentes que “temos um ano ainda para amadurecer, com “verdadeiro discernimento espiritual, as ideias propostas e encontrar soluções concretas às tantas dificuldades e inumeráveis desafios que as famílias devem enfrentar; dar respostas aos tantos desencorajamentos que circundam e sufocam as famílias”.
Ele falou-lhes que ainda há um ano de trabalho sobre o relatório final do Sínodo, “que é o resumo fiel e claro de tudo aquilo que foi dito e discutido nesta sala e nos círculos menores”. Além disso, acrescentou, ele estará sendo apresentado às 114 conferências episcopais do mundo como diretriz para os debates durante os próximos doze meses.
Concluiu pedindo que “o Senhor nos acompanhe e nos guie neste caminho, pela glória do seu nome”, e falou: “Por favor, não esqueçam de rezar por mim!”
Quando o papa terminou de falar, todos os presentes ficaram de pé e o ovacionaram por cinco minutos. Isto diz tudo.

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