terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Chocolate vai acabar? Especialistas e produtores descartam a possibilidade

Indústria brasileira do chocolate, no entanto, se recusou a comentar. Consumidores dizem que estocariam o produto se isso acontecesse.
Glauco Araújo Do G1, em São Paulo - A recente informação de que o chocolate poderia acabar de uma vez gerou comoção entre os consumidores apaixonados (veja vídeo) e provocou agitação da indústria chocolateira e produtores de cacau. Os chocólatras pensam em estocar o produto mesmo que essa chance seja a mais remota possível. Um fabricante afirma que há lacuna no fornecimento da matéria prima, mas os cacaueiros rebatem a informação: dizem que se trata de especulação de mercado e que o cacau nunca irá acabar.
A Barry Callebaut, maior produtora mundial de chocolate, foi citada como fonte de informação que circulou na imprensa mundial sobre um déficit de mil toneladas de cacau até 2020. A empresa emitiu nota afirmando que o “dado veio de uma estimativa feita pela indústria em 2010, com estagnação do setor cacaueiro e crescimento da demanda projetada para o futuro”.
A empresa considera que haverá um déficit de cacau em 2020, mas “acredita que será bem menor do que a projeção de 2010 – uma vez que programas de sustentabilidade foram iniciados por todo os players da indústria e estão ganhando tração em vários países produtores de cacau”.
A reportagem do G1 procurou as cinco maiores empresas produtoras de chocolate no Brasil (Nestlé, Mondelez, Arcor, Hershey’s e Mars) para comentar o assunto, mas nenhuma delas quis se pronunciar. A Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab) também declinou o pedido para comentar uma possível falta de chocolate no mercado nos próximos anos.
A Organização Internacional do Cacau (ICCO) disse que suas projeções "em nada corroboram esse medo, que chega a ser exagerado ao extremo". Segundo a entidade, o mercado de cacau, sofreu, nos últimos dez anos, com metade do período em déficit de produção e a última metade com excedente produtivo.
Segundo a ICCO, "o cacau, como qualquer outra commodity agrícola, é um recurso renovável, por isso, quando o preço do cacau sobe, os agricultores serão incentivados a produzir mais grãos. Não existe uma causa imediata para a preocupação com o fornecimento de cacau para os próximos cinco anos. Não há nenhuma ameaça ao fornecimento de cacau para a fabricação de chocolate. Não há motivo para alarme em relação à disponibilidade de chocolate para os consumidores desfrutarem."
Confeiteiro prepara bombons para a degustação dos jurados durante concurso em SP (Foto: Glauco Araujo/G1)
Durval Libônio, presidente do Instituto Cabruca, que desenvolve programas para plantar cacau sob a sombra de árvores nativas da Mata Atlântica (o chamado sistema cabruca) e elabora políticas de melhorias das condições de trabalho, discorda da informação de que o chocolate possa acabar.
“Isso é especulação. Essas previsões são para que o preço do cacau não suba no mercado e a margem de lucro dos produtores de chocolate não baixe. Para o chocolate acabar a espécie Theobroma cocoa teria de se extinguir, e isso é impossível. O cacau ainda tem uma grande diversidade genética. Ainda temos plantas de cacau silvestres na Amazônia. Ainda há uma reserva de genes fantástica ainda para ser explorada.” Libônio diz que a informação do "fim" do chocolate “é muito estranha, pois o Brasil está aumentando a produção.”
Cacau sustentável melhora qualidade e produto disputa mercado gourmet (Foto: Divulgação/AMMA Chocolate)
Brasil autossuficiente em cacau
O diretor da Comissão Executiva do Plano de Lavoura Cacaueira (Ceplac), do governo federal, diz que os "brasileiros podem ficar tranquilos sobre o sumiço do chocolate".
“Pelo menos na minha geração e na do meu filho, que tem 10 meses, o chocolate e o cacau não vão acabar. Isso não acontecer. O Brasil é região de origem do cacau. O cacau faz parte da nossa biodiversidade e só conhecemos 20% da genética do cacau brasileiro. Ainda temos 80% de espécies de cacau a conhecer, novos sabores e aromas a oferecer ao mercado nacional e internacional, identificar novos terroirs [a terra e suas características para plantação]”, afirma Helinton Rocha.
Rocha disse que o setor vive um momento delicado, mas por um motivo que considera positivo. “O Brasil é autossuficiente em cacau. Estamos em um momento delicado por conta da criação de um mercado exportador, de regulamentação do setor para importação e exportação. Hoje temos uma safra recorde de 269 mil toneladas, comparável ao período de 1994. A nossa capacidade de moagem é de 230 mil toneladas. Desde 2010 estamos em equilíbrio entre oferta e demanda.”
Linha de produção de chocolate da fábrica da Garoto no Espírito Santo (Foto: Amanda Monteiro/ G1 ES)
No Brasil, é considerado chocolate o produto que tiver 25% de cacau em sua composição, de acordo com norma estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ainda segundo o órgão, está em estudo a alteração para 35% de cacau na composição, que passar a seguir os padrões europeus para a produção do chocolate.
Para o produtor baiano Diego Badaró, o chocolate com alto grau de pureza pode desaparecer. “O cacau é o alimento dos deuses. Precisa da sombra, da mata, mas se transformou em uma commodity, um alimento desvalorizado. Na bolsa, o quilo do cacau sai por um dólar e o chocolateiro francês vende o quilo de bombom, que ele mistura açúcar e outros produtos, por 300 a 400 euros. E ele nunca pisou numa plantação de cacau.”
Segundo ele, isso reflete o que aparece nas prateleiras, para o consumidor. “A imagem do chocolate está relacionada ao leite e à vaquinha na embalagem, mas deveria mostrar a floresta, pois o cacau é um fruto brasileiro. Há produtos com pouco cacau, que é o chocolate ao leite. Mas ainda temos como reverter esse quadro, isso tem de partir do consumidor escolher chocolate com mais cacau.”
Chocolate feito com cacau gourmet (Foto: Reprodução/Globo Rural)
Vassoura de Bruxa
O diretor da Ceplac Helinton Rocha explica que o setor cacaueiro viveu pouco mais de duas décadas sob o efeito da doença conhecida como Vassoura de Bruxa (fungo que atinge os brotos dos cacaueiros) e que devastou a produção nacional de cacau desde 1987. “Sentimos os reflexos disso até hoje. Isso afetou 250 mil empregos e provocou uma queda de 90% da nossa produtividade. Nestes mais de 20 anos o setor já apresenta uma recuperação considerável.”
A América Latina corresponde a 16% da produção mundial de cacau, atrás apenas da África, que detém 72% da produção. A Oceania e a Ásia são responsáveis por 12% do setor. “Acredito que em pouco tempo a gente consiga atingir um crescimento de mais dois pontos, chegando a 18% da produção mundial.”
O biólogo Luiz Humberto Gomes, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/ESALQ), afirmou ainda que o Brasil voltará a ser o maior produtor de cacau no mundo. “Temos estabilidade política, falamos a mesma língua em toda a cadeia produtiva de cacau. Na África há guerras civis. O mundo está de olho no Brasil no que se refere ao cacau e chocolate. Vamos voltar a ser o maior produtor de cacau. Acho que isso deve ocorrer entre três a cinco anos.
Chocolate produzido com cacau cabruca disputa mercado internacional com qualidade gourmet (Foto: Divulgação/AMMA Chocolate)
DNA gourmet
Os produtores estão focando o cultivo de cacau para o mercado de chocolates finos, gourmet, que depende diretamente do manejo para evitar as pragas e aproveita a vegetação nativa para sombrear o cacaueiro na fase inicial do plantio. Essa técnica é conhecida como Cabruca, pois usa a vegetação da Mata Atlântica para o cultivo.
O baiano Diego Badaró é considerado um dos bons exemplos de sucessão familiar na plantação de cacau. Ele seguiu os passos do avô, mesmo após a família deixar a fazenda de lado após a Vassoura de Bruxa. Há pouco mais de dez anos ele mudou a forma e o conceito do plantio, produzindo cacau orgânico e de qualidade gourmet. Ele usa o método Cabruca. “Essa técnica é valorizada no mundo todo”. Ele explica que o controle genético do cacau permite um melhor aproveitamento produtivo nos 15 primeiros anos e depois precisam ser replantadas. Tenho árvores de mais de 80 anos que estão produzindo cacau e até uma com mais de 230 anos.”
Preparação de bombons para degustação dos jurados em concurso em São Paulo (Foto: Glauco Araújo/G1)
Genética
Para o biólogo Luiz Humberto Gomes, da ESALQ, o controle genético pode ajudar a colocar o Brasil em um outro patamar no mercado e coloca o chocolate em grau de semelhança com o queijo, vinho e cerveja. “Trabalho com a fermentação de cacau. Isso é preciso ser feito por sete dias para que o cacau tenha aquele aroma característico de chocolate. A gente desenvolveu uma levedura, que foi patenteada e, em breve, será implementada no cultivo do cacau na Bahia.”
Segundo ele, o processo de fermentação do cacau ainda é rústico. “O controle desse processo permite uma padronização com melhor qualidade da amêndoa de cacau, elevando o preço da arroba. Isso melhora a produção do cacau gourmet, o cacau A. O processo de fermentação, em alguns lugares produtivos, ainda precisa de melhora em questões sanitárias. Na África a fermentação ainda é melhor.”

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