quinta-feira, 23 de maio de 2019

Produção de de cacau fino para chocolate aumenta no Brasil

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(Valor) Todos os alimentos têm histórias e sabores particulares, e, exceto por uma lista restrita de produtos como vinho, cachaça e alguns queijos, raramente os consumidores conectam as duas pontas. Essa distância existe no mundo do chocolate, mas, no Brasil, uma nova leva de empreendedores quer trocar esse disco e “reconectar” a produção nacional de cacau com a capacidade de produção de chocolates finos e de qualidade.
“Hoje você não sabe qual a origem do cacau, se é brasileiro, baiano, africano. Mas é possível ter um chocolate de origem se tiver rastreabilidade, quando você pode identificar de onde vem a amêndoa, e, principalmente, se tiver um percentual elevado de cacau na sua composição”, diz o empresário Marco Lessa.
Fundador da ChOr, que fabrica chocolates com alto teor de cacau produzido na Bahia, Lessa também é um dos principais expoentes da nova “cena chocolateira” brasileira. Já organizou festivais com empresas como a sua em Ilhéus, Belém e, no último mês, também em São Paulo.
Olhares mais atentos e bolsos mais cheios já notaram que as prateleiras de lojas em grandes centros urbanos como São Paulo estão começando a ser ocupadas por esses chocolates, que muitas vezes não têm só mais cacau, mas também a identificação da região de produção e até do agricultor responsável.
Trata-se, como reconhecem os próprios empreendedores, de um mercado de nicho. Mas eles acreditam que essa pode ser a solução para uma nova fase de crescimento da cacauicultura no Brasil, que perdeu o posto de maior produtor do mundo na década de 1990 ante os estragos causados pela vassoura-de-bruxa.
Embora não existam dados oficiais sobre esse segmento, Lessa diz que, se dez anos atrás não se tinha notícia de chocolateiros preocupados com a origem do cacau utilizado, atualmente há cerca de 120 empresas no Brasil que produzem o chocolate “de origem”, faturando, no total, entre R$ 30 milhões e R$ 50 milhões por ano.
Os números estão distante das cerca de 250 marcas de chocolate conhecidas como “bean to bar” (da amêndoa à barra) nos Estados Unidos, compara o empresário. Mas ele acredita que o número no Brasil poderá dobrar em até dez anos.
“Vai ter mais cacau fino, mais consumo e mais empreendedores”, aposta Lessa. Essa certeza considera que as empresas do ramo crescem dois dígitos por ano, mesmo em anos de crise, enquanto a grande indústria avança de 2% a 3% ao ano.
Embora pequeno, esse segmento, que preza pela qualidade, compra cerca de metade do cacau “fino” brasileiro, sobre o qual se paga um prêmio. O volume corresponderia a cerca de 1 milhão de toneladas. A produção nacional de cacau gira em torno de 180 milhões de toneladas.
Dentre os empreendedores do meio há desde pequenos chocolateiros em busca de um lugar ao sol até agricultores que buscam uma forma de agregação de valor.
Lessa, que iniciou uma produção de pequeno porte de chocolate, inaugurou no início deste ano, em Ilhéus, uma planta de processamento de cacau a partir de um aporte de R$ 3,5 milhões realizado com o sócio Henrique Almeida. A unidade processará cacau sob demanda para essas novas empresas de chocolate de qualidade da região. O estabelecimento possui um laboratório para que chocolateiros e produtores testem novas receitas e será aberto à visitação de turistas.
No Brasil, como a legislação exige que todo chocolate tem que ter no mínimo 25% de cacau – abaixo da exigência de 35% em mercados desenvolvidos -, garantir um teor mais elevado que o da grande indústria parece não demandar muito esforço. Mas, segundo Lessa, a maior parte dessas novas empresas já trabalha com teores de ao menos 40%.
Para competir com as indústrias tradicionais na compra da matéria-prima, a saída é pagar mais aos produtores. E o prêmio tem sido de, no mínimo, 30% acima dos valores de mercado, diz Lessa. Segundo ele, esses prêmios chegam a dobrar a renda do produtor, dependendo do tipo e do tratamento da amêndoa.
Tal estratégia é central na Dengo, criada em 2017 pelo empresário Guilherme Leal para ser um investimento de impacto social. O negócio paga aos produtores, basicamente de pequeno e médio portes, prêmios de pelo menos 70%.
Uma boa remuneração é a forma mais concreta que a empresa encontrou para alcançar seu objetivo de valorizar o trabalhador do campo, diz Estevan Sartorelli, CEO da Dengo. Mas a empresa também envia técnicos para dar assistência e incentivar a produção de um cacau fino.
Na visão do executivo, a maioria dos consumidores ainda não tem interesse em saber qual é a origem do cacau do chocolate que consome, mas já busca um produto com mais qualidade. “Em meio século, desprestigiamos a qualidade em favor da tecnologia de processamento. Mas a boa comida vem da cozinha, e não do laboratório”, diz.
A expansão da cacauicultura no Pará, fomentada pelo governo do Estado e pela Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac), também jogou luz sobre o potencial da quantidade e da qualidade do cacau da região Norte.
Ao descobrir que a amêndoa é originária da Amazônia e que 60% do cacau fino do mundo vem do Equador, a chocolateira Luiza Abram pegou um avião e descobriu, no Acre, uma cooperativa que viria a ser sua primeira fornecedora.
Aos poucos, Luiza realizou incursões na Amazônia em busca de comunidades que já plantavam cacau e convencendo outras a apostar na cultura de forma profissional. “Alguns [produtores] até já exportavam para a Alemanha, mas em outros casos o cacau ficava para os macacos e papagaios”, conta.
Luiza ensinou a muitos produtores as melhores práticas de cultivo e tratamento pós-colheita das amêndoas para garantir uma matéria-prima de boa qualidade. Para muitos deles, ela adianta parte ou até todo o pagamento como forma de garantir o capital de giro.
O preço, segundo ela, é acertado conforme o tratamento dado à amêndoa. “Quando ele beneficia [o cacau], como com fermentação e secagem, o preço passa de R$ 5 a R$ 8 o quilo para R$ 25 a R$ 30″.
Em 2014, quando iniciou o negócio, Luiza comprou 20 quilos de cacau. No ano passado, já com fábrica de chocolate própria, a empresária adquiriu 3,5 toneladas e, neste ano, o plano é alcançar 10 toneladas.
Parte do segredo de seu crescimento reside na ligação que ela estabelece entre produtores e consumidores. “Cada vez eu tento acrescentar mais informação na embalagem sobre de onde vem [o cacau], a história da comunidade ou da cooperativa, e a nota dos sabores”, conta. Luiza já emplacou sua marca de chocolate, que leva seu nome, nos principais empórios das grandes capitais e sua última conquista foi acertar fornecimento para a rede Pão de Açúca

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