segunda-feira, 7 de outubro de 2019

"Por que um papa precisa lidar com a ecologia":

A conferência do Vaticano, que começou no domingo, segue debatendo o futuro da floresta amazônica. O encontro de bispos católicos convocado pelo papa Francisco foi idealizado antes da polêmica internacional sobre a queimada e desmatamento da região e, naquela época, provocou reações negativas do governo de Jair Bolsonaro. Com os recentes acontecimentos, sua importância aumentou. Os resultados deverão ser anunciados ao final do sínodo, em 27 de outubro.
Exclusivo para o HuffPost, a nota que o pontífice emérito Bento XVI escreveu 10 anos atrás em preparação para a encíclica Caritas in Veritate sobre os tópicos então no centro de Laudato Si por Francesco 
Papa Ratzinger - Com uma nota até então inédita para a preparação de sua encíclica Caritas in Veritate, sobre a justiça social e sobre a ecologia (7 de Julho de 2009), Bento XVI respondeu com firmeza para aqueles que disseram que um Papa não devia se ocupar com essas coisas. 
Alguns membros da Congregação para a Doutrina da Fé prepararam, logo, um texto alternativo à publicação iminente, atrasando a promulgação, levantando a suspeita de que era necessário elevar o nível teológico da Encíclica (o quarto capítulo é dedicado inteiramente à responsabilidade da Igreja com a Criação), ancorando-a mais à verdade da fé, apesar de que Ratzinger tenha sido ele próprio por muitos anos Prefeito da Congregação e, portanto, não um pastor com pouca formação teológica, como se joga na face do Papa Francisco. A mesma objeção (pouco ancorada na fé) foi de fato contestada por muitos tradicionalistas também na Encíclica Laudato Sì Francesco (2016) e à convocação do Sínodo da Amazonia que abre domingo de manhã, 6 de Outubro. 
Na nota (que publica HuffPost Exclusive) Bento XVI escreveu: " Neste momento eu gostaria de salientar muito brevemente somente as questões que surgem e uma palavra sobre que linha tomar. A questão fundamental é : em que nível e sobre qual fundamento a Igreja (o Magistério, o Papa) fala neste tipo de ensino: no nível estritamente teológico, assumindo assim a fé como fundamento? Ou no nível da filosofia? - Neste caso: qual filosofia? Com que certeza? E então – com qual autoridade? Ou talvez fala substancialmente em um nível empírico, o nível da economia, da sociologia etc.? " 
" É claro - continua o comunicado de Bento para a elaboração da Encíclica - que a doutrina social se refere às realidades empíricas, da ordem econômica, social, política, mas se refere a estas realidades não em um modo descritivo, mas em um modo normativo - para indicar como se deve agir nestas áreas para criar a justiça, que por sua parte supõe a correspondência com a verdade sobre o homem e o bem comum. Como resultado, o ensinamento do Magistério nestes assuntos requer: a) informações precisas sobre as realidades empíricas, às quais o ensino se refere; b) dado que o propósito de ensino é ético (normativo) o nível real do discurso é o filosófico, com relação à verdade do homem e da justiça ". 
Neste ponto, o coração da posição do Papa Ratzinger é que o ensinamento do Papa e da Igreja em matéria de justiça social é ético (normativo), que é para os crentes um ensinamento preciso para mostrar como se deve agir nesses setores para se criar a justiça, que, por sua parte, supõe a correspondência com a verdade sobre o homem e o bem comum. 
" Tendo dito isso - escreveu o papa Ratzinger - a pergunta volta imediatamente: um ensinamento da Igreja (do Papa) pode ser estritamente filosófico, independentemente da fé - puramente racional? Não estamos mais nos tempos de São Tomás. Tomás poderia considerar Aristóteles como " o filósofo " e, portanto, pensar que a existe "a filosofia " com sua certeza racional. Em nossa situação, é óbvio que a ' filosofia ' não existe - apenas existem filosofias e que as certezas filosóficas são todas relativas ”. 
Mas isso - segundo Bento XVI – não significa absolutamente se fechar no âmbito da fé, pregando apenas os sacramentos e a oração. 
" Resta, portanto, apenas se retirar para o espaço da fé e sua certeza? " - Bento XVI se pergunta. Sua resposta é : "É óbvio que a tradição da Doutrina Social da Igreja, inaugurada pelo Papa Leão XI (mas com base na ética e na tradição social desenvolvida ao longo dos séculos) supõe a possibilidade de uma de uma " reta razão " e das as suas certezas, por si acessíveis a todos. Ele acredita na evidência dos argumentos da ' reta razão ' , ele acredita no bom senso, que percebe a retidão dessa ‘razão”, a sua ' verdade'. 
" A história da recepção da doutrina social - ele continua - deu razão a essa esperança, pelo menos em parte (e apenas em parte). Convencidos da realidade do pecado original, temos de aceitar que a evidência da " reta razão " simplesmente não são acessíveis a todos e que a razão pura não é suficiente em si mesma para criar um consenso sobre a verdade – sobre a justiça ". 
E aqui Bento XVI explica por que é precisamente em força da fé que o Papa " deve " falar a todo o homem. 
" O que fazer, o que dizer nesta situação? Eu diria duas coisas: a) a Igreja não pode se retirar para o fideísmo. A Igreja do Logos encarnado deve apelar para a "ratio" , deve estar presente no debate racional, a verdade comum sobre a verdade e justiça. O discurso racional deve ousar; b) A Igreja não deve esconder de onde tira a sua luz, sua certeza, sua racionalidade. Talvez alguns pronunciamentos magisteriais podem fazer pensar que se possa construir um mundo justo no consenso das pessoas de boa vontade e de reta razão, mesmo prescindindo de Deus ( " etsi Deus non daretur ") e ainda mais da auto-revelação de Deus em Jesus Cristo. A fé aparece assim como um belo ornamento e talvez como um plano superior - bonito, mas não necessário. Mas o consenso da razão e da boa vontade é sempre ofuscado e prejudicado pelo pecado original - e isso não nos diz somente a fé, mas a " evidência empírica (mesmo se não fala de ' pecado original ' ). É claro - é verdade que devemos buscar o consenso de todos os homens de boa vontade e reta razão. Mas apelando-se a esta vontade e ao consenso da razão, devemos também dizer que a fonte de nossa confiança a respeito da " justiça " (como a soma de todos os conteúdos da doutrina social) é a nossa fé no Logos encarnado, e que essa fé - embora vá muito além do campo da racionalidade - de acordo com sua essência, não apenas não se opõe à razão humana comum, mas ibeeerta a razão para ser ela mesma e, portanto, permite-nos entrar, giados por esta luz, no debate comum da humanidade , certos de contribuir assim para o bem comum de todos " 
Aos redatores da Encíclica, o Papa Ratzinger dita as linhas: 
" Para evitar, portanto: a) curto-circuito entre sobrenatural e natural, com uma mistura inadequada de níveis; b) por outro lado, a fração de auto-suficiência da razão in statu naturae lapsae , de uma filosofia funcional " etsi Deus non daretur " , princípio tão caro aos intelectuais do grupo dos chamados "ateus devotados" , vinculados à direita americana. 
De acordo com o Papa Ratzinger " Este tipo de concatenação de três níveis inicialmente indicada (teologia - filosofia - empírica) devem orientar os argumentos da Encíclica, sem ser explicitamente apresentado no documento ." 
As indicações do Papa Bento XVI eram claras: " 1) ter em conta o gênero específico da doutrina social da Igreja, na qual se compenetram princípios éticos sempre válidos com problemas empíricos, e, portanto, existe a possibilidade de uma mudança e até mesmo correção, porque o contexto histórico entra necessariamente nos julgamentos e condiciona uma certa variabilidade, excluindo juízos demasiados dogmáticos; 2) introduzir a justiça como um conceito central; 3) temperar o idioma ". 
Assim nasceu a " Encíclica ' Caritas in Veritate ' , que afirma que a Igreja " deve defender não só a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos. Acima de tudo, deve proteger o homem contra a destruição de si mesmo ”. 
A degradação da natureza está na verdade estreitamente ligada, de acordo com a visão da Igreja, à cultura que deve moldar a convivência humana, ou seja, uma verdadeira " ecologia humana " . 
Com uma ' atenção especial aos pobres, que se tornaram o pivô da pregação de seu sucessor Papa Francisco. 
"O ambiente natural é dado por Deus a todos, e seu uso representa para nós uma responsabilidade para com os pobres, as gerações futuras e para com a humanidade inteira. Se a natureza, e poe primeiro aoser humano, são considerados como o resultado do acaso ou um determinismo evolutivo, o nosso sentido de responsabilidade se atenua nas consciências. Na natureza, o crente reconhece o maravilhoso resultado da intervenção criativa de Deus, que o homem pode usar com responsabilidade para satisfazer suas necessidades legítimas - materiais e imateriais -respeitando os equilíbrios intrínsecos da própria criação. Se essa visão falha, o homem termina ou por considerar a natureza um tabu intocável ou, pelo contrário, por abusá-la. Ambas as atitudes não estão de acordo com a visão cristã da natureza, fruto da criação de Deus ". 
E com referência aos " problemas de energia " relacionados . "A acumulação de recursos energéticos não renováveis ​​por alguns estados, grupos de poder e empresas é, de fato, um sério impedimento ao desenvolvimento dos países pobres " , diz " Caritas in Veritate ". " Esses países não têm os meios econômicos nem para o acesso a fontes energéticas existentes não renováveis nem para financiar a busca de fontes novas e alternativas. O monopólio de recursos naturais, que em muitos casos são encontrados precisamente em países pobres, gera exploração e frequentes conflitos entre ass Nações e no seu interior. Esses conflitos são freqüentemente travados precisamente no solo desses países, com pesados balanços em termos de morte, destruição e degradação ulterior. A comunidade à International tem o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis, envolvendo países pobres, a fim de planejar juntos para o futuro ". 
São palavras que Bento XVI escreveu há dez anos, mas parece ler as de seu sucessor hoje. 

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