domingo, 21 de junho de 2020

A pandemia da Covid-19 é uma vingança da natureza?

Na realidade, a pergunta a ser feita é antes aquela sobre a responsabilidade humana nesta crise da saúde e que lições podemos tirar dela?
“A natureza nos envia uma mensagem”. Era 22 de março, no momento em que os países do mundo inteiro estavam tomando medidas de contenção uma após a outra. Inger Andersen, diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), concedeu uma entrevista ao jornal britânico The Guardian. “A humanidade colocou muita pressão sobre os ecossistemas e agora estamos pagando as consequências”, declarou.
Na mesma semana, em entrevista à BFMTV, Nicolas Hulot, confinado em sua casa à beira do mar em Saint-Lunaire (Ille-et-Vilaine), disse: “Penso que nós recebemos, desculpe-me pela expressão, uma espécie de ultimato da natureza. Bem, seremos capazes de ouvi-la ao menos uma vez! Ouvir significa aprender com esta situação...”.
Consequência dos nossos estilos de vida
Mensagem, ultimato, aviso... A vingança da natureza teria substituído na nossa imaginação a vingança divina? Para o biólogo Gilles Bœuf, ex-diretor do Museu Nacional de História Natural, “não podemos falar dessa maneira, porque a natureza não tem intenção. Ela não ‘quer’, ela não ‘deseja’, ela não ‘pensa’. Não pode ser objeto de tais verbos. Não há, portanto, vingança de Deus nem vingança natural. Por outro lado, parece-me óbvio que ela foi particularmente maltratada. Simplesmente sofremos as consequências dos nossos estilos de vida, que colocam em risco o funcionamento de nossos ecossistemas”.
“Dois fatores principais causaram a pandemia, prossegue o biólogo. Primeiro, colocar animais selvagens e caçados (morcegos, pangolins, etc.) em contato com animais domésticos e com os consumidores, em mercados insalubres como o de Wuhan. Em seguida, a disseminação instantânea e mundial deste vírus devido ao transporte e, em particular, ao avião. Logo após seu aparecimento, ele estava em Milão e Cingapura, quando nunca deveria ter deixado sua parcela de território chinês. Devemos saber que antes da pandemia, havia 120 mil voos aéreos diários em todo o mundo, incluindo 20 mil que sobrevoavam a França. Loucura! É tudo isso – o tráfico de animais silvestres, o desmatamento, o excesso dos transportes e da globalização – que precisamos, se não parar, pelo menos refrear, porque do contrário pagaremos cada vez mais caro por isso”.
Nem anjo nem demônio na natureza
Para Philippe Grandcolas, diretor de pesquisa do CNRS e diretor do Instituto de Evolução Sistemática e Biodiversidade do Museu Nacional de História Natural, “personificar a natureza é um erro, um atalho linguístico. É muito emotivo e afetivo. Porque a biodiversidade é algo extraordinariamente complexo: existem milhões de espécies que interagem entre si. Por exemplo, no final do gramado em frente ao meu pavilhão em Essonne, existem pelo menos vinte plantas e, se eu rasgasse a terra, encontraria milhares de microrganismos”.
E continua: “A natureza nunca será uma entidade estática; pelo contrário, ela é evolutiva. É verdade que entre um certo número de povos ameríndios a natureza é uma personalidade, uma entidade. Mas se pudermos entender essas diferentes abordagens culturais, para nós cientistas, a natureza não tem intenção. A Covid-19 é muito simples: é o resultado de uma biodiversidade maltratada”.
Ouvido pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Nacional sobre esta crise de saúde, Philippe Grandcolas alerta contra qualquer posição maniqueísta. “Não há anjo ou demônio na natureza, diz ele. Isso já é verdade para os morcegos, que seria estúpido querer erradicar, mas também é verdade para outras espécies menos exóticas que encontramos entre nós”, disse ele.
E tomemos o caso das raposas: 500 mil a 1 milhão delas são mortas a cada ano na França porque são consideradas “nocivas”. Segundo ele, “ninguém se perguntou se isso poderia ter alguma relação com a doença de Lyme, provocada por carrapatos, que afeta mais de 60 mil pessoas na França. No entanto, as raposas regulam as populações de roedores que são os transmissores desta doença, principalmente nas florestas. Na natureza, tudo é uma questão de equilíbrio”.
Evitar a catástrofe
A solução? “Entrar na complexidade da biodiversidade, explicar incansavelmente a diferença entre perigo e risco, continua ele. Por exemplo, se você roça uma cobra com a ponta dos dedos em seu ambiente natural, corre um risco considerável. Por outro lado, se você vê essa mesma cobra em um canto bonito da natureza e se contenta em observá-la à distância, pode ser um belo encontro. A natureza pode ser perigosa, mas se você adotar um comportamento racional e razoável, tudo ficará bem”.
E recomenda ao mesmo tempo a abordagem social do livro branco sobre a biodiversidade (Pour que vive la nature) “e um melhor ensino das ciências naturais nos colégios e liceus”.
Dominique Bourg, filósofo, professor honorário da Universidade de Lausanne e membro da Fundação Nicolas-Hulot, vê o que está acontecendo conosco como uma tendência de fundo. “Acabamos de passar sete décadas de destruição em massa do sistema Terra. E como nós matamos tudo o que estava vivo – a parcela da biomassa dos vertebrados selvagens caiu agora para 4% –, entramos em contato com os últimos redutos de natureza, o que explica o surgimento de essas novas zoonoses. Sem falar dos efeitos das mudanças climáticas...”.
Particularmente preocupado, Dominique Bourg acaba de publicar com outros seis autores, entre os quais está o colapsologista Pablo Servigne, um manifesto intitulado Retour sur Terre, com 35 propostas para repensar urgentemente nosso modelo econômico e social. “De volta à Terra, isso significa que levamos em conta que estamos em um sistema finito e frágil. Acreditamos que faltam apenas dez anos para evitar não as degradações – para isso já é tarde demais –, mas as ‘super degradações’ e, portanto, a catástrofe”.
Mudanças de comportamento
Em Ardèche, em sua casa de Saint-Romain-de-Lerps, Gilbert e Béatrice Cochet, naturalistas e defensores de que o nosso meio ambiente se torne selvagem novamente, observaram esta crise de saúde em perspectiva: “Um pequeno vírus que confinou metade da humanidade: esta é uma lição sagrada de humildade. E bastou que o homem se retirasse na ponta dos pés, para ver o retorno, em poucas semanas, de uma biodiversidade esquecida”.
Em seu jardim de 7.000 m2 – metade foi deixada para que o mato tomasse conta novamente e a outra metade foi ocupada pela permacultura – o casal viveu o que chama de “pequenas alegrias”. “Há um ano, colocamos armadilhas fotográficas em torno da casa, diz Beatrice. Nós víamos apenas os gatos da vila aparecerem. Durante os dois meses do confinamento, vimos passar uma marta, uma raposa e um texugo. Ao anoitecer, até observamos uma cerva com um filhote...”.
“Não penso que haverá grandes mudanças ecológicas depois do confinamento, confessou Gilbert. No entanto, vejo, aqui e ali, sementes de tomada de consciência, mudanças de comportamento, evoluções...”. Resta saber se serão suficientes para evitar outras catástrofes.

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