segunda-feira, 29 de junho de 2020

Nenhum trabalhador sem direitos só com um salário universal


"Talvez tenha chegado a hora de pensar em uma forma de salário universal que reconheça e dê dignidade às tarefas nobres e insubstituíveis que vocês executam; um salário capaz de garantir e implementar aquele slogan tão humano e cristão: nenhum trabalhador sem direitos”. O Papa Francisco escreveu isso no dia da Páscoa em uma carta aos "movimentos populares", definidos como "verdadeiros poetas sociais", aqueles que têm uma "cultura", uma "metodologia" e exercem a "capacidade de sentir em si a dor dos outros". Os beneficiários dos "salários" poderiam ser trabalhadores informais como "vendedores ambulantes, catadores, pessoal de circo, pequenos agricultores, pedreiros, costureiros, todos aqueles que realizam tarefas assistenciais".
A reportagem é de Roberto Ciccarelli - Esse "salário universal" está condicionado ao ser humano como "trabalhador", cuja condição desprovida de direitos é duplamente penalizada pela crise induzida pela Covid-19. Uma medida concebida em função de uma divisão capitalista do trabalho inserida na tríade que caracteriza, para Francisco, a luta dos "movimentos populares": "terra, teto e trabalho", terra - e seus frutos, como o alimento - casa e trabalho. A doutrina descarta a clássica advertência de São Paulo que, na Carta aos Tessalonicenses (3,7-12), entendia o desemprego como uma culpa do indivíduo: "Quem não quiser trabalhar - escreveu - também não coma". Francisco reconhece que o trabalhador sofreu um prejuízo, não tem direitos e, além disso, não trabalha mais. O trabalho, sem adjetivos, permanece um direito condicional e não se destina a ser uma "atividade livre", impossível de ser realizada em uma sociedade capitalista onde o trabalho continua sendo uma mercadoria.
Francisco parece indicar uma medida de "renda mínima garantida" mais que uma "renda básica universal". Geralmente, essas medidas são confusas: a primeira seria reconhecida até que se permaneça em estado de necessidade, está ligada a atividades obrigatórias, como trabalhos públicos, formação e mobilidade obrigatórios (como a chamada "renda da cidadania" na Itália) e poderia ser complementada por um contribuição para o aluguel ou o acesso a serviços.
A renda básica é uma medida incondicional que reconhece, pelo menos para aqueles abaixo do limiar de pobreza relativo, o direito à existência independentemente do trabalho e do não trabalho. Se entendida como "remuneração" - conceito usado pudicamente em italiano para traduzir "salário" na versão espanhola (a língua do papa) - a medida reconheceria o trabalho invisível gratuito para as plataformas digitais também realizado pelos pobres.
A uma renda básica, potencialmente direcionada a pelo menos 14 milhões de pessoas na Itália, tende a campanha pela extensão irrestrita da "renda da cidadania", apoiada pela petição do Basic Income Network (Bin), e da campanha pela "renda de quarentena". A coexistência entre as duas medidas é concebível dentro de uma redefinição de redes de segurança social e bem-estar em sentido universalista, não mais baseado no status contratual, categorial ou familiar.
O salário "universal" de que Francisco fala, se entendido como "universal", deveria ser reconhecido ao indivíduo, não à família, promovendo a autodeterminação de que falam os movimentos feministas como Non Una di Meno, que tutelam a liberdade das mulheres da dependência econômica, da violência doméstica, do patriarcado. Essas medidas são acompanhadas de um salário mínimo - ao qual o Papa alude - para evitar o dumping salarial entre trabalhadores precários e aqueles que recebem a "renda". Na Itália, as propostas de lei (Pd, M5S, entre outros) estão no momento engavetadas.
A posição do papa foi saudada pelo fundador do movimento Cinco Estrelas, Beppe Grillo, que repropôs, sem ser ouvido pelo seu partido, a adoção de uma "renda universal". "Agora é a política - afirma o porta-voz de Sinistra Italiana, Nicola Fratoianni, a favor da renda - que deve falar com a mesma clareza".
A Ministra do Trabalho Nunzia Catalfo (M5S) confirmou que no "decreto de abril" será prevista outra medida emergencial, categorial e não estrutural de "renda de emergência" (5-600 euros) para 3 milhões de trabalhadores precários e invisíveis excluídos dos bônus dos impostos IVA (de 15 de abril e depois aumentado de 600 para 800 euros) e dos fundos para a suspensão temporária do emprego. Nem mesmo a intervenção do papa parece ser capaz de mudar essa orientação do governo.

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