quarta-feira, 23 de junho de 2021

Uma Barca em meio ao mar revolto

No último domingo (20.06.2021), o Evangelho refletido na Santa Missa versava sobre a conhecida passagem da tempestade acalmada (cf. Mc 4,35-41). Jesus, após um dia inteiro de atividades intensas, retirou-se, com os discípulos, para o outro lado do lago do Tiberíades, para descansar um pouco, mas também para ser presença em outra extremidade, cumprindo seu papel de missionário do Pai (cf. Jo 6,39).
Pe. Damião Conceição de Souza Borges
Aconteceu que durante a travessia, o mar se fez agitado e uma grande ventania se abateu sobre as barcas que estavam em alto mar, inclusive aquela que estavam Jesus e seus discípulos. Após inúmeras tentativas de controlar a barca, que quase afunda, os discípulos tomaram a iniciativa de acordar Jesus que, segundo texto, estava dormindo no fundo da barca tranquilamente.
Ao ser acordado, Jesus, na qualidade de Senhor da criação, determinou, pronunciando duas expressões, que o vento e o mar cessassem suas perturbações e imediatamente reinou uma grande calmaria. Ele é o senhor de tudo e de todos e seu poder se tornou, à época, espantoso até para aqueles que andavam com eles, que arguiam-se mutuamente sobre a pessoa de Jesus, tão poderosa, que até as forças naturais o obedeciam.
Da sua parte, Jesus repreendeu duramente os discípulos acerca da qualidade da fé deles. De fato, não eram homens comuns, que desconheciam o poder de Jesus, pois estavam acostumados à novidade dos gestos de Jesus. No entanto, à pergunta de Jesus “por acaso não tendes fé?” é muito direcionada a todos os cristãos, de todos os tempos sobre a qualidade da fé que professam, especialmente em momento tão sombrio que a humanidade está enfrentando, com a pandemia da Covid-19 em curso.
A palavra de Jesus, por sua vez, tem força, poder e resolução. Com apenas duas simples palavras ele fez o mar e o vento calarem-se. A tomada de consciência é de um significado muito grande, uma vez que o cristianismo é a religião da experiência com Jesus, a palavra encarnada (cf, Jo 1,14) e ela conclama a todos para uma confiança de que, mesmo com o mar agitado, ele sempre está no barco, ainda que sem se manifestar, ele está lá.
Acontece que com o advento da pandemia, o mundo, especialmente o Brasil, está enfrentando uma agitação no mar da existência de sua população que já dura um tempo significativo. Vê-se constantemente um verdadeiro efeito sanfona na contaminação, no número de mortes, na vacinação e nas atitudes dos governos; tudo isso gerando uma instabilidade sem medidas.
A tempestade que a população brasileira tem enfrentando clama aos céus. Isso pode ser dito com pureza de alma e certeza de verdade, uma vez que no último sábado (19.06.2021) o país registrou, sob muitos protestos, reclamações e gritarias, a triste marca de 500 mil mortos; uma lástima sem precedentes! Para uma nação que é marcadamente cristã, que nasceu sobre o cimo da cruz, é lamentoso que se perca tantas vidas, em decorrência de diferentes atitudes incongruentes, quando a solução para a questão já existe.
Frente a esta triste realidade, a conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, com o tema “Toda vida importa“, promoveu um dia de oração pelos vitimados pela COVID-19 e rezou, pedindo a intervenção de Deus na história do Brasil e para que ele acolha os que tiveram suas vidas ceifadas pelo vírus.
É verdade que Jesus sempre vem em socorro dos seus, não obstante as rebeldias do ser humano. Entretanto, uma questão que ilumina a realidade da ação de Jesus e a participação do cristão é a iniciativa dos discípulos no episódio narrado no texto do Evangelho aqui refletido. Eles não ficaram aguardando Jesus acordar para tomar a rédea da situação. Ao contrário, fizeram todo o possível para resolver a situação.
Fica, pois, claro, que “a criatura sem o Criador esvai-se. Por isso, os crentes sentem-se pressionados pelo amor de Cristo a levar a luz do Deus vivo aos que O ignoram ou rejeitam”. (cf. Catecismo da Igreja Católica, 49). O ser humano, especialmente a parcela dele que se encontra nesta nação, chamada na sua gênesis de terra de santa cruz, deve fazer dois movimentos: retomar o caminho da intimidade com Deus, desprovida de interesses e agir sem pretensões de lucro terreno. Agindo assim, a terra bela e prospera que é o Brasil voltará a brilhar.
Enquanto a caminhada é em meio a mares intranquilos, o cristão desta hora é chamado a afervorar a confiança de que tudo, ao final, acabará bem, ainda que com estragos irreparáveis. A situação agitada que a nação brasileira está enfrentando será controlada, especialmente se os que têm o poder de tomar atitudes que corroborem com a ação do Divino assim o façam, pois esse não é invasivo, tampouco rouba do ser humano a sua capacidade de administrar o temporal.
Que Deus tenha misericórdia do Brasil!

2 Presbítero da Diocese de Ilhéus. Licenciado em Filosofia pela FBB, Bacharel pela UCSAL, chanceler da Cúria diocesana de Ilhéus e mestrando em Direito Canônico pelo Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro, agregado à Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Auditor do Tribunal Interdiocesano e de Apelação da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

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