quinta-feira, 5 de julho de 2012

A desafeição religiosa de jovens e adolescentes

Entrevista especial com Pedro Ribeiro de Oliveira  “15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade”, afirma o sociólogo.
A “insatisfação do fiel com os serviços oferecidos pela sua igreja” é, na avaliação do sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, a primeira explicação para entender os dados do censo 2010, que demonstram um declínio no número de membros das igrejas católica, luterana, presbiteriana e metodista. Segundo ele, trata-se de “uma crise das religiões tradicionais”.
Diante deste dado, Oliveira menciona que há um “problema geracional”, porque na década passada havia mais católicos com idade de zero a 29 anos do que hoje. Isso significa que as “crianças e os jovens estão deixando de ser católicos”. Se isso se mantiver, assegura, “no censo de 2020 a diminuição será maior ainda, porque vão morrendo os velhos, e as novas gerações estão mais afastadas” das igrejas tradicionais. Por outro lado, este dado não atinge as igrejas pentecostais, que apresentaram um crescimento de fiéis jovens e crianças.
Na avaliação do sociólogo, outro dado interessante é o número de jovens sem religião. “Em termos de projeção, isso é algo a ser pensado. (...) 15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade”, diz na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line. E dispara: “Quando eu comecei a estudar sociologia da religião, tinha como axioma que o brasileiro é religioso, ou seja, todas as religiões são boas, todas levam a Deus, e o que não pode é não ter religião. Hoje, o caso é diferente não. O fato de ter religião não é um indicador de que a pessoa seja boa, assim como o fato de ela não ter religião não significa que ela seja má. Houve uma mudança na cultura brasileira”.
Pedro Ribeiro de Oliveira (foto abaixo) é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. É professor do PPG em Ciências da Religião da PUC-Minas. Dentre suas obras, destacamos Fé e Política: fundamentos (Aparecida: Ideias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (São Paulo: Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Petrópolis: Vozes, 1985).
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Os dados do censo 2010, divulgados pelo IBGE, demonstram um progressivo declínio do catolicismo no país. Como o senhor interpreta esses dados? O que isso significa?

 Pedro Ribeiro de Oliveira – Esses dados não estão exatamente relacionados ao proselitismo evangélico, mas sim a uma crise das religiões tradicionais. Ainda não fiz um estudo minucioso dos dados do censo, porém pude perceber que as igrejas tradicionais – católica, luterana, presbiteriana e mesmo a metodista – perderam membros em termos absolutos e não acompanharam o crescimento da população. Uma igreja que me surpreendeu nesse sentido foi a Congregação Cristã do Brasil, que era muito sólida e tinha membros praticantes. Há aí um dado no censo que obriga certa atenção, porque várias igrejas perderam membros, inclusive a Universal do Reino de Deus.
Precisamos ter presente o dado de que a perda de membros atinge várias denominações religiosas. Claro que o proselitismo tem sua importância nesse processo, mas isso ocorre principalmente por causa da insatisfação do fiel com os serviços oferecidos pela sua igreja.
No caso da Igreja Católica, minha hipótese diz respeito ao sacramento. A Igreja Católica foi se tornando, nos últimos 40 anos, mais exigente na realização dos sacramentos. Por exemplo, não se podem batizar crianças se os pais e padrinhos não fizerem um curso, não se pode casar se os noivos não tenham feito a primeira comunhão, ou um curso de noivos – acho tudo isso muito normal. Mas as pessoas deixam de frequentar a igreja por conta das exigências.

IHU On-Line – Qual o significado de o Brasil ainda ser um país majoritariamente católico, considerando que existem os praticantes e não praticantes?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Muitos só consideram católicos aqueles que vão à missa e comungam. Entretanto, a tradição católica brasileira nunca foi de seguir tradicionalmente o catolicismo romano. O catolicismo popular tradicional mostra muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre. Essa frase é perfeita. Quer dizer, a tradição católica sempre teve muita devoção aos santos; era uma religião familiar. Praticava-se o catolicismo em casa, com a família, geralmente a materna, e de vez em quando se frequentava a igreja para receber os sacramentos. Quer dizer, trata-se de um católico não praticante do sacramento, mas um católico praticante da devoção aos santos. Um velho teólogo que já morreu dizia: “O padre fala da ignorância religiosa do povo, e o povo também acha que o padre é ignorante na religião, porque não sabe fazer a devoção aos santos”.
Então, o catolicismo tem essa propriedade, é uma religião que comporta muita gente, e diferentes formas de ser católico, inclusive aquela dos não praticantes. De fato, o sacramento fundamental para o católico é o sacramento de entrada na vida, o batismo, e o sacramento de “saída”, que é a missa de sétimo dia. Fora isso, ele se vira muito bem com os santos.

IHU On-Line – Qual é a novidade os dados do censo apontam em relação à religião no Brasil?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Uma das novidades diz respeito à idade. Eu tive a curiosidade de sociólogo e comparei os dados de 2000 e 2010. Vi que há um problema geracional. Em 2000, havia mais católicos de zero a 29 anos, do que em 2010. Ou seja, as crianças e os jovens estão deixando de ser católicos. Então, têm mais católicos em 2010 com 30 anos ou mais. Se isso se mantiver, no censo de 2020 a diminuição será maior ainda, porque vão morrendo os velhos, e as novas gerações estão mais afastadas da instituição. É interessante porque isso atinge também o protestantismo de missão, mas não atinge as igrejas pentecostais que, ao contrário, apresentam um crescimento entre os jovens e crianças. Também não atinge os espíritas, que estão crescendo. Outro dado interessante é o crescimento de jovens entre 15 e 19 anos sem religião. As novas gerações brasileiras têm uma forma religiosa muito diferente das antigas gerações. Em termos de projeção, isso é algo a ser pensado.

IHU On-Line – Outro dado do censo é de que a Igreja Universal perdeu 10% dos fiéis. Entretanto, o crescimento das igrejas evangélicas ainda é significativo. Como avalia essa questão? A Igreja Universal tem perdido fiéis para igrejas menores, que são mais flexíveis e aceitam fiéis específicos como jovens, gays?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Tenho a impressão de que a Universal é bem aberta e não é uma igreja rígida, mas eu não a conheço suficientemente. Por outro lado, percebe-se o crescimento enorme da Assembleia de Deus, que é um pentecostalismo clássico. Ela já era a maior igreja dos evangélicos, e hoje já tem quase 50% dos evangélicos brasileiros.
O que também existe é essa difícil categoria de igrejas evangélicas não determinadas. O que será evangélica não determinada? Pode ser aquela interpretação da Fundação Getúlio Vargas, de evangélico não praticante, mas também pode ser essas igrejas novas que estão aparecendo por aí, e que eram conhecidas antigamente como igrejas eletrônicas. Não sei. Mas tudo indica a passagem de uma religião a outra: de católico a evangélico tradicional, ou pentecostal tradicional, depois a neopentecostal, depois a pentecostal não determinado e depois os sem religião. A trajetória parece demonstrar essa passagem. Ao que tudo indica, pelos dados de idade, isso vai continuar.

IHU On-Line – A que atribui essa desfiliação religiosa? A religião como instituição está deixando de ser significativa para parte dos brasileiros? Segundo o censo, de 7,28% em 2000 aumentou para 8% em 2010 o número de pessoas sem religião, cerca de 15 milhões.
Pedro Ribeiro de Oliveira – Penso que sim. A religião está deixando de ser significativa. 15 milhões de pessoas que se dizem sem religião, para mim, é o dado que desperta curiosidade. Quando comecei a estudar sociologia da religião, tinha como axioma que o brasileiro é religioso, ou seja, todas as religiões são boas, todas levam a Deus, e o que não pode é não ter religião. Hoje, o caso é diferente. O fato de ter religião não é um indicador de que a pessoa seja boa, assim como o fato de ela não ter religião não significa que ela seja má. Houve uma mudança na cultura brasileira. O que significa exatamente esses sem religião, eu não sei.
Gosto muito de um conceito pouco usado na sociologia, que é o de desafeição religiosa. Ou seja, a pessoa que desafeiçoa já não gosta mais de uma igreja. Quando uma pessoa se identifica no censo como católica, mesmo não praticante, ela está querendo dizer que a sua referência é aquela igreja, às vezes até por conta de uma relação afetiva com a mãe, por exemplo. Tenho impressão de que esse conceito seria central para entendermos os sem religião

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