segunda-feira, 28 de março de 2011

Uma carta para Comblin


Está é uma carta redigida por uma pessoa que ama - a minha querida Ir. Núbia Maria da Silva (IMC)-,  para alguém que soube amar a vida, o padre e teólogo José Comblin.

Sorocaba-SP, 27 de março de 2011
Querido Pe. José Comblin,
Paz e Bem!
Partiu de pé, firme e de prontidão como sempre o foi! 87 anos bem vividos!
Encontro-me em Sorocaba-SP, trabalhando. Estamos no Encontro do Regional Sudeste da Pastoral da Criança. Foi chegada à hora do intervalo das atividades. Quis abrir e-mails. Primeira mensagem. “La morte di Comblin”. A amiga italiana Maria Giulia Zuffolato dera a notícia. Muitos na Europa já sabiam! Seria você mesmo!? Susto. Impacto. Uma forte pontada no coração. Um frio na barriga. Tristeza. Dor. Comoção.
 Como uma estátua, fiquei à frente do notebook. Seria verdade? Diversos outros e-mails a baixar com a mesma notícia. Era certeza! Viera a primeira lágrima. Forcei suspender as próximas. Pensei em Monica. Liguei. Impossível o contato. Sentimentos se entrelaçaram numa única força. Uma voz silenciosa a ecoar naquele único e rápido momento: O PROFETA COMBLIN MORREU! Queria gritar minha dor, chorar... Não podia! Retornaria naquele instante para minha exposição ao trabalho que estava a coordenar. Respirei fundo! Apenas pedi um minuto de silêncio àquela miniassembleia. Uma prece a nossa Mãe Maria Aparecida. Que o Senhor desse a você o resplendor da Luz! O descanso eterno! Veja querido José Comblin como são os sentimentos dentro de nós quando queremos bem a uma pessoa especial como você! Supliquei fortaleza a Deus. Como sempre nos deu! Continuei a missão no trabalho.
Queria estar aí agora a contemplar seu corpo gelado a refrescar “o tronco da vida, mesma sofrida, nasce uma flor, rindo da dor”. É a resistência e a esperança de continuarmos com sua missão iniciada aqui em nosso sofrido nordeste, na América Latina e no Mundo! Você percorreu uma longa estrada de pó e cascalho... Ajudou-nos a plainar as veredas dos pobres, dos que acreditam na libertação! Obrigada amigo!
Você acaba de deixar a nós um grande legado! Continuar a dar voz aos sem voz! Você, meu grande amigo de fé, chamado a imitar o Jesus de Nazaré foi chamado agora para “o grande encontro” (título do meu livro que tanto me incentivou a escrever. Irei terminá-lo..., mas infelizmente você não conseguiu esperar até junho como havíamos combinado). Assim acaba de cumprir sua missão aqui onde o caminho lhe trouxe... O vencedor da morte que nos deu o Espírito Santo como Consolador nesse deserto que é a nossa vida lhe acolhe! É sua “vida pelas vidas!”
Sou feliz e agradeço a Deus por sua amizade ao longo dos oito anos intensos de encontros, conversas, partilha de vida, sonhos, planos para contribuir sempre e com paixão pelo Reino de Deus na fidelidade e no amor aos pobres. Quantas lágrimas vocês viu derramarem ao meu rosto nos momentos das angústias, dos desertos, das incompreensões... Depois, transformadas em sorrisos de esperança. O conselho sábio para a “mulher extraordinária”  com gostava  me chamar com sua voz forte, mansa e cheia de ternura para comigo.
Você foi Mestre, Doutor, estudou muito ajudou a Igreja da América Latina. Contribuiu com escritos e reflexões para o Concílio do Vaticano II. Mas quantas histórias não escritas do Pe. Zé como o chamava àqueles a quem deu a vida no Nordete brasileiro ao redescobrir o Evangelho no meio dos camponeses com uma visão de futuro fantástica! Com olhar de águia. ... e ao mesmo tempo  parecia “uma voz a gritar no deserto” ....  Obrigada pelo seu testemunho! Sua voz profética incomodava! Isso me maravilhava! Mexer no âmago das questões da Igreja institucional, da sociedade injusta e da política corrupta a partir do testemunho do Evangelho. Isso é mérito só dos profetas e das profetisas.
Você, homem humilde, despojado, simples de vida e de coração conseguiu estremecer as estruturas da Ditadura Militar, da Igreja e desnudou conceitos arcaicos e arrancou vendas em visões mofadas...   Você, amante dos pobres que ajudou a compor uma das canções mais belas: “A Teologia da Libertação”. Nela e com ela nasci e me criei. “O enviado do Pai” fora sua primeira obra que estudei no Postulado sob a orientação e formação do nosso amigo Pe. Fausto Beretta que nos ajudou a entender a encarnação do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que trouxe a libertação para todos nós. Você fez a releitura da vida e do Evangelho da libertação com a teologia a partir da experiência dos camponeses de mãos calejadas que foram e são explorados junto com todos aqueles que deram seu sangue de mártires anônimos e não anônimos, que tombaram, por que não queriam ver nosso Planeta  “gemer em dores de parto”.
Teria muito a lhe falar e a escrever nessa madrugada que se adentra, mas agora quero estar a velar em comunhão com todos seus amigos, amigas, missionários e missionárias pelos quais deu sua vida. Estão com você aí. Pertinho daquele a quem você me contou tantas histórias.  O missionário do sertão. Pe. Ibiapina era seu nome. Outro inspirador. Recordo nossa conversa ao telefone, há cinco dias atrás, era seu aniversário, 22 de março. Informou-me com alegria sua vista a Juazeiro-CE, sempre a pedir aquela benção ao nosso padrinho Cícero. Sua tão forte devoção.
Despeço-me de você mais serena de continuar o compromisso com a mesma causa que você abarçou. Animar as Comunidades Eclesiasi de Base – CEBs e a se comprometer com os missionários do Reino de Deus e o amor para com a Igreja Povo de Deus e libertadora.
 Com você leve minha saudação alegre a todos seus amigos e amigas que lutaram pela mesma causa. Lá estarão entre tantos a lhe acolher com festa e alegria na casa do Pai: Oscar Romero, Pe. Ezequiel Ramin, Pe. Josimo, Pe. João Bosco, Margarida Alves, Ir. Adelaide e tantos outros  nomes de homenes e mulheres que tiveram suas “vestes alvejadas no sangue do Cordeiro” .... Agora, sua páscoa é completa! Feliz Páscoa!
Na ternura e no vigor meu abraço amigo e fratreno carregado de carinho! Beijos! Núbia.
Ir. Núbia Maria da Silva (IMC)

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