Bem nos inícios do cristianismo, o domingo era o grande dia da Páscoa. Esta era celebrada toda semana, quando chegava o domingo. Não existia a celebração organizada de uma Páscoa anual.
Bem cedo, no entanto, inspirando-se no costume religioso judaico, os cristãos começaram a realizar a celebração de um domingo especial, um grande domingo, isto é, uma especial celebração anual da Páscoa.
Foram organizando esta celebração primeiro por meio de uma vigília noturna. A saber: as comunidades passavam a noite toda reunida (do sábado para o domingo anual da Páscoa). Nesta reunião, à luz do mistério pascal, primeiro liam os textos bíblicos relativos à história da salvação (os textos da criação, do êxodo, da vida de Abraão, os livros dos profetas etc.), entremeando-os com cantos de salmos e hinos bíblicos. Depois vinha a celebração da Ceia pascal.
Portanto, dois eram inicialmente os componentes essenciais desta vigília pascal: a Palavra (as leituras da Palavra de Deus) e a celebração da Ceia (a celebração da Páscoa por excelência: a Eucaristia). Mas logo aparece um outro componente (século II e III): a celebração do batismo (inserida logo após as leituras e antecipada com uma bênção da água).
Como se vê, na altura do século III, nesta vigília, as comunidades cristãs celebravam a Páscoa de Jesus, primeiro, por meio da Palavra proclamada e ouvida; em seguida, por meio da ação ritual e profundamente pascal de batizar; e, enfim, vinha a celebração da Ceia pascal propriamente dita (a Eucaristia), de todos os membros da comunidade, incluindo os neo-batizados.
Toda esta vigília era preparada por um jejum durante três dias (um tríduo). Quem fazia o jejum? Os que se preparavam para o batismo, bem como os cristãos já batizados. Começava na quinta-feira à noite.
Mas, à medida que o tempo vai passando, durante este jejum de três dias os cristãos tendem a valorizar sempre mais os acontecimentos “históricos” dos últimos dias da vida terrena de Jesus, narrados pelos Evangelhos, tais como: a última ceia, o lava-pés, a traição de Judas, a condenação, o sofrimento, a cruz, a morte. Inclusive com o acréscimo de celebrações em torno de tais fatos! Resultado: a mente dos cristãos vai se distanciando do sentido profundo da vigília pascal (do mistério pascal). Pois o interesse se concentra mais em fatos da vida terrena de Jesus do que na Páscoa em si, como passagem da morte para a vida, que é o centro e o núcleo da nossa fé.
Resultado: a vigília pascal vai se esvaziando. E com isso o povo também não tem muito interesse em passar a noite pascal ouvindo a história da salvação. Importante mesmo passa a ser os dramas da Sexta-feira santa, da paixão de Jesus.
Para resolver este grave problema da Igreja se esvaziando da celebração da Páscoa propriamente dita, resolveram então antecipar a vigília para as 1 3h ou 1 4h do sábado santo. Depois, no século XII, anteciparam-na ainda mais, para as 11h ou 12h. No século XVI, com o papa Pio V, a vigília pascal passa a ser antecipada ainda mais, para as 9hda manhã! E tudo isso com terríveis incongruências, pois em plena luz do dia de sábado santo (9h da matina!), o diácono canta diante do Círio aceso:
“O noite santa esta, iluminada pela luz da ressurreição!”.
E mais, celebrando absurdamente a vigília pascal em plena luz do dia (9h da matina!) no sábado santo, que é o do dia do silêncio, o dia da sepultura, o dia de Jesus na mansão dos mortos fazendo uma visita de esperança de ressurreição a todos os falecidos, de repente a Igreja irrompe com o solene canto do “Aleluia”!... Por isso, erroneamente, passaram a chamar o sábado santo de “sábado de aleluia”.
Em 1951, o papa Pio XII mandou celebrar a vigília pascal de novo como era nas origens, a saber, na noite do sábado santo para o domingo da páscoa. A reforma do concílio Vaticano II a confirmou. Com isso se resgatou o valor e sentido supremos da Páscoa da ressurreição. Mas tem gente que ainda continua chamando equivocadamente o sábado santo de “sábado de aleluia”.
(Liturgia em Mutirão: subsídios para formação/CNBB, 1ª edição, 2007, p. 29-31)
Nenhum comentário:
Postar um comentário