segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Quem paga o pato são as boas... ONGs

Publicado na  VEJAPolíticos usam organizações não governamentais para desviar dinheiro público e lesam a reputação das que trabalham a sério LAURA DINIZ Os escândalos de corrupção que derrubaram o peemedebista Pedro Novais e o comunista Orlando Silva do comando dos ministérios do Turismo e do Esporte não estremeceram apenas a base aliada do governo. O abalo se refletiu também nas sedes das 340 000 organizações não governamentais existentes no Brasil.

Isso porque, ao utilizarem uma rede de ONGs bandidas para desviar dinheiro público, os malfeitores acabaram por manchar a imagem de todas elas. E o prejuízo não foi apenas moral. Para não ser surpreendida por mais escândalos, a presidente Dilma Rousseff determinou o congelamento dos repasses do governo a essas entidades por trinta dias. Nesse período, quer um raio X dos gastos.
 Trata-se de uma medida profilática, necessária e, ao mesmo tempo, injusta, já que, sem querer, acaba por vitimar inocentes. ONGs, quando do bem - e essas compõem a maioria - são associações ou fundações formadas por pessoas de boa vontade cujo objetivo é melhorar a vida de outras. No Brasil, como mostra levantamento feito pela ONG Contas Abertas, mais de 99% delas nem sequer recebe dinheiro do governo federal (ao menos na forma de repasses diretos, já que muitas são beneficiadas pelos mecanismos da isenção fiscal).
Além de empregarem 2 milhões de pessoas, elas prestam serviços sociais importantes, sobretudo nas áreas da saúde, educação, defesa do meio ambiente e fiscalização dos gastos públicos. São ONGs, por exemplo, todas as santas casas de misericórdia do país, assim como a rede das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes). E, embora uma entidade desse tipo esteja a léguas de distancia das falcatruas de Brasília, nem por isso deixa de ser prejudicada por elas. E o caso da Fundação Pio XII, mantenedora do Hospital do Câncer de Barretos, um centro de excelência que atende 3000 pessoas por dia. Conta seu presidente, Henrique Prata: "Acabamos de investir 3 milhões de reais para montar um centro de tratamento de câncer em Rondônia, mas depois desses episódios tivemos negado um documento que nos permitiria atuar no estado. Estão desconfiando de todo mundo", diz.
As entidades sem fins lucrativos criadas para trabalhar em prol dos necessitados e desassistidos nasceram vinculadas à Igreja. Os embriões do que hoje se conhece por ONG foram os grupos de fiéis que saíam das igrejas para cuidar de pacientes em asilos e hospitais. Com o tempo, a área de atuação desses voluntários se estendeu - assim como cresceu o número de gente disposta a faturar em cima da boa-fé alheia. A primeira tentativa do governo brasileiro de frear o apetite de entidades desonestas pelo dinheiro público ocorreu em 1935, no governo de Getúlio Vargas.
Por meio de uma lei federal, criou-se a "declaração de utilidade pública", título que seria concedido a associações e fundações constituídas "com o km exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade". Agraciadas com esse título, as ONGs honestas do século passado tinham prioridade para receber verbas públicas. Era um filtro modesto, mas que ajudou a mitigar a corrupção. Com o passar dos anos, no entanto; os títulos começaram a ser expedidos em ritmo industrial para satisfazer interesses políticos. Nos anos 70, já havia mais de 10000 ONGs no Brasil, joio e trigo misturados. Na segunda categoria, vicejaram entidades formadas por profissionais alijados de suas funções pelo regime militar, caso do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o Cebrap, que existe até hoje.
A grande transformação do papel das ONGs deu-se na década de 90. A partir de boas experiências na Europa, em especial na Inglaterra, governantes descobriram que contar com a participação da sociedade civil na administração pública poderia ser mais barato e eficiente do que resolver tudo apenas com o mastodôntico aparato estatal. A tendência chegou ao Brasil na esteira da redemocratização. Entre 1991 e 2000, 140000 novas ONGs foram abertas, não mais para se contrapor ao governo, como nos anos 70, mas para atuar em complemento a ele. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estimulou as parcerias, mas não sem antes tomar providências para evitar a perda do controle do dinheiro público. Até então, a única forma de enviar recursos para as ONGs era por meio de convênios. Isso significava que o governo repassava dinheiro vivo para as entidades sem especificar as metas que elas deveriam cumprir e sem exigir delas mais do que um punhado de notas fiscais a título de prestação de contas.
Uma ONG que recebesse um depósito de 10 milhões de reais do governo, portanto, tinha como única obrigação mandar para Brasília 10 milhões de reais em recibos. No país da nota fria, a fórmula era uma porta escancarada para a fraude. O governo FHC decidiu mudar as regras do jogo. E criou um novo modelo de entidade. Surgiram, assim, as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), uma espécie de versão sofisticada do título de utilidade pública da era Vargas. Segundo esse novo modelo, só receberiam dinheiro público entidades que apresentassem metas a ser atingidas, critérios objetivos de avaliação de desempenho e indicadores de qualidade e produtividade do trabalho realizado. "O grande mérito do novo modelo foi tirar a prestação de contas do eixo meramente formal, o das notas fiscais. e olhar para os resultados", diz Carlos Ari Sundfeld, professor de direito administrativo da Fundação Getulio Vargas. Um grande avanço? Não para o PT, que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para derrubar a inovação tucana.
Os petistas não queriam ampliar o controle sobre as contas públicas. Desde que assumiram o governo, em 2003, ignoraram o modelo e continuaram a celebrar convênios da forma antiga - e a abrir brechas para o malfeito. Pelo modelo em vigor, a análise das prestações de contas entregues por ONGs que recebem repasses diretos do governo federal só pode ser feita por amostragem. "São centenas de milhares de notas fiscais, afinal", explica o procurador da República Marinus Marsicus, que atua junto ao Tribunal de Contas da União. "E, quando aprofundamos um pouco a auditoria, descobrimos que a maioria das entidades está irregular. Algumas ONGs nem endereço têm, outras têm endereço falso e muitas não comprovam os gastos", diz Para o procurador, o modelo de controle adotado pelo governo petista fez com que essas entidades se transformassem no melhor instrumento para os interessados em embolsar dinheiro público E uma reputação que se dissemina a cada novo escândalo para frustração dos brasileiros de boa vontade - e prejuízo daqueles que seriam beneficiados por suas ações.

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