segunda-feira, 23 de junho de 2014

Protestos: poucas bandeiras e muitos cassetetes



Carta Capital acompanhou os atos em em BH, Rio, SP e Curitiba. Movimentos sociais representativos ficaram de fora e violência policial foi constante. A reportagem é de Piero Locatelli e publicada pelo portal da revista CartaCapital,.21-06-2014.
Tropa de choque fica de guarda enquanto os manifestantes se aglomeram na Praça da Savassi, em Belo Horizonte, Minas Gerais
Um dia antes do primeiro jogo da Copa no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, cerca de 50 ativistas conversavam sentados em uma praça no centro da cidade. Os militantes discutiam como seria a manifestação contra o torneio durante a partida entre Colômbia e Grécia, que aconteceu no sábado 14. “Pessoal, vamos manter uma paranoia saudável e segura. Não falem muito, não digam nada que possa incriminar ninguém. E não confiem em quem está sentado ao seu lado”, dizia um deles no início da reunião.
O medo da repressão unia os protestos ao redor do País na primeira semana do mundial. CartaCapital acompanhou manifestações em quatro cidades. Além da capital mineira, esteve em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Em todas elas, os movimentos sociais mais representativos e organizados mantiveram-se fora das ruas. A avaliação da maior parte deles era de que, diante da repressão e das críticas na mídia, a conjuntura não permitiria grandes protestos abertos, e o resultado seria imprevisível.
A maior articulação contra o evento, formada por movimentos sociais nos Comitês Populares da Copa, manteve-se tímida. Alguns dos que não saíram às ruas buscaram opções para se manifestar. O comitê de São Paulo organizou exibições de jogos na Favela do Moinho, favela na região central que lembra a resistência contra a expulsão de pobres às periferias. Durante o jogo entre Irã e Nigéria, em Curitiba, houve um protesto contra a “homofobia de Estado” dos dois países (ambos preveem pena de morte para quem tem relações com parceiros do mesmo sexo).
Nas ruas, os protestos foram pequenos, sem reunir mil manifestantes em nenhuma cidade. Em sua maioria, os manifestantes eram black blocs, anarquistas e grupos de esquerda pouco representativos, de influência maoísta outrotkista. Apareciam faixas isoladas contra a corrupção, o PT, Dilma Rousseff e com críticas ao “bolivarianismo”.
Em todas as cidades, os manifestantes tentaram se aproximar dos estádios. A Polícia Militar adotou diferentes estratégias para proteger a zona de exclusão da Fifa, onde só torcedores e credenciados eram autorizados a entrar.
Na abertura em São Paulo, os manifestantes não conseguiram sequer se reunir. O protesto estava marcado para as 10 da manhã. Cinco minutos depois, a PM disparou bombas de gás lacrimogêneo sobre aqueles que ainda chegavam ao local. No Rio de Janeiro, a polícia permitiu a reunião, mas atirou há cinco quarteirões do estádio. Já a polícia de Curitiba os deixou se aproximar da arena. Depois de estações de ônibus e agências bancárias serem depredadas, 14 manifestantes acabaram presos.
O protesto programado em Belo Horizonte foi cercado pela Tropa de Choque na Praça Sete, um entroncamento de oito vias no centro da cidade. Durante seis horas, duas centenas de manifestantes ficaram sitiados por mais de 4 mil policiais. Depois de longa negociação, conseguiram sair pacificamente do local.
A repressão foi desmedida diante do tamanho diminuto dos protestos. A polícia de São Paulo feriu indiscriminadamente quem estava no local, atingindo quatro jornalistas, entre eles uma repórter da rede americana de televisão CNN. No Rio de Janeiro, ao menos uma arma de munição letal foi usada por um policial civil. A instituição diz apurar o motivo do disparo.
Detenções arbitrárias aconteceram em diferentes cidades. Um morador de rua foi preso em Belo Horizonte por carregar uma faca de cozinha na mochila. Advogados reclamaram do cerceamento ao seu trabalho em todas as cidades. Militantes também foram alvos da polícia fora das ruas. No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, prisões preventivas aconteceram nos dias anteriores à Copa do Mundo.
O caso mais grave ocorreu em Curitiba, onde ao menos 25 manifestantes foram chamados a depor na Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional. Aprovada no fim da ditadura, em 1983, a legislação é criticada por diversas entidades, a Ordem dos Advogados do Brasil defendeu mais de uma vez a sua revogação.
Os manifestantes tiveram de responder sobre um suposto financiamento estrangeiro aos protestos, se eram ou não black blocs e sobre habilidades com explosivos. “As perguntas eram ofensivas, porque todas caminhavam no sentido de chamar a gente de terrorista. Eu achei que estava em uma conversa da ditadura”, comparou Renato de Almeida, de 28 anos, militante chamado a depor.
Enquanto isso, nos estádios, alguns poucos burlaram a proibição de faixas com mensagens políticas. Na abertura, um índio guarani de São Paulo esticou uma faixa contra a demora na demarcação de terras pelo governo federal, cena omitida pela transmissão oficial. No Maracanã, a torcida argentina estendeu um cartaz com a inscrição Las Malvinas son Argentinas.

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