domingo, 24 de maio de 2020

Abandono de animais: a COVID-19 não justifica este crime

Dra. Tatiani V. Harvey 
Médica Veterinária
Mestre e Doutora em Ciência Animal
Ênfase em Doenças Parasitárias
O abandono, os maus tratos e o envenenamento de animais são mais comuns do que pensamos, especialmente entre os animais de estimação. Estas infrações são registradas em muitos municípios brasileiros, entre os quais, alguns têm o índice de abandono de animais aumentado durante as férias de verão. Como um agravante desta situação, a pandemia da COVID-19, infelizmente, tem elevado ainda mais estes índices em vários países, incluindo o Brasil. Obviamente, a população precisa de esclarecimento e orientação. 
Nesta pandemia, o abandono de animais, devido ao medo da doença, aumentou em alguns estados brasileiros como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Em Salvador, o índice de abandono aumentou mais que 800%, segundo reportagem do Jornal Correio. O abandono é frequente, também, na China, nos Estados Unidos, na Argentina, etc., e o envenenamento tem se tornado frequente, como no Líbano, por exemplo. Na China, muitos animais foram deixados em suas casas e apartamentos durante a evacuação de algumas cidades. 
Toda esta crueldade continua acontecendo, apesar da mídia divulgar que não há validação científica que justifique estes atos. O fato é que não há divulgação massiva contínua de orientações para os tutores. Muitos deles não leem jornais, não estão conectados a redes sociais, não acompanham notícias em rádios, TV ou Youtube, por exemplo. Além disso, muitos não buscam orientações ou não utilizam o serviço veterinário no manejo de seus pets, tendo ou não como custear este serviço. Esta situação, também, clama pela atenção do governo. 
É fato que houve casos positivos em animais, tanto através de diagnóstico molecular (RT-PCR), como em sorologia. No entanto, é preciso esclarecer a população sobre estes resultados. A RT-PCR pode acusar positividade tanto para o vírus vivo quanto para parte dele. Ou seja, não significa que o vírus vivo esteja ativo no paciente. Além disso, um resultado positivo no RT-PCR pode significar infecção, ou apenas uma contaminação. A sorologia, por sua vez, pode indicar exposição prévia ao vírus, ou uma infecção. Sendo assim, a confirmação de um resultado positivo da análise molecular por uma sorologia não indica, necessariamente, a presença de doença, mas sim que houve uma resposta imune. A clínica precisa estar presente para demonstrar a manifestação da doença. Saliento, ainda, que os famosos cães positivos na China não manifestaram sintomas. Nenhum destes casos gerou evidências de que os cães possam adoecer ou transmitir o SARS-CoV-2. Mas, e o cão que foi a óbito? Este animal era portador de doença renal e cardíaca, e a comunidade científica atribui o óbito, especialmente, ao estresse que o animal sofreu durante seu período de isolamento. 
Quanto ao gato positivo na Bélgica, após sua avaliação ainda restaram as mesmas dúvidas quanto a possibilidade de adoecer e transmitir a doença. No entanto, no caso dos felinos já é possível afirmar que eles sejam mais susceptíveis à infecção, pois os receptores celulares que o vírus utiliza para penetrar no organismo dos gatos são semelhantes aos receptores humanos. E não há grande semelhança com os receptores dos cães. Então, em resumo, hoje sabemos que cães e gatos podem, possivelmente, infectar-se, sendo os cães menos susceptíveis. Mas, ainda não há evidências que estes animais possam adoecer ou transmitir a doença. 
Quanto ao cães e gatos servirem de fômites para a doença, isto é pouco provável, devido a baixíssima carga viral que pode ser encontrada nos pelos destes animais. 
No entanto, mesmo diante destas incertezas, é imprescindível que os tutores que tenham a COVID-19 adotem medidas especiais para os seus pets. Recomenda-se que evitem o contato com eles, mantendo-os no ambiente peridomiciliar, ou em parte isolada de sua residência. Ou, os deixem com outro familiar durante o período de quarentena. E, caso o contato seja necessário, o tutor deve usar luva e máscara no manejo do animal. Fica claro, aqui, que nenhuma destas medidas implica em abandono. Pois, a sociedade não precisa de mais vítimas. E lembrem-se que o abandono de animais é crime!

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