quinta-feira, 18 de junho de 2020

Reflexos do fim das coligações proporcionais nas candidaturas femininas

Por Ana Matilde Hora - Advogada,
especialista em prática civil,
 trabalhista e previdenciária 
A Emenda Constitucional (EC) nº 97/2017 vedou, a partir de 2020, a formação de coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais. Um dos principais reflexos da mudança já se dará no ato do pedido de registro de candidaturas à Justiça Eleitoral, especialmente porque, cada partido precisará, individualmente, indicar o mínimo de 30% de mulheres filiadas para concorrer no pleito. 
Essa mudança visa impactar principalmente o fomento à participação feminina na política, muito incentivado pela legislação. Agora, o partido não vai poder ter como escudo outros partidos para que, enquanto coligação, eles atinjam os 30%. 
O estímulo à participação feminina por meio da chamada cota de gênero está previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições. Segundo o dispositivo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais. 
Infelizmente, muitos partidos políticos, acabavam burlando o preenchimento da cota, e lançavam candidaturas laranjas, sem darem qualquer apoio a essas mulheres. 
O termo “laranja” costuma ser usado para definir alguém que assume uma função ou responsabilidade apenas no papel, e não na prática, cedendo o nome para uso de outra pessoa. Por isso, considera-se “candidata laranja” aquela candidata de fachada, que entra na eleição sem o intuito de concorrer de fato, com objetivo apenas de cumprir a regra. 
Segundo Gomes (2019), a fraude consiste em lançar candidaturas femininas que na realidade não irão disputar o pleito, são apenas candidatas fictícias. Os nomes das mulheres são arrolados na lista do partido somente para atender à necessidade de preenchimento da quota mínima de 30%, proporcionando com isso, a presença do partido e de seus candidatos nas eleições. Trata-se, portanto, de uma forma de burlar a regra legal que instituiu a ação afirmativa direcionada ao aumento da participação feminina na política. 
“Embora esse tipo de fraude se perfaça na fase de registro de candidatura, em geral os indícios de sua ocorrência ficam mais palpáveis depois do pleito, sendo evidenciados por situações como a ausência de votos à candidata, a não realização de campanha, a inexistência de gasto eleitoral, a não transferência nem arrecadação de recursos, nestes últimos casos a prestação de conta aparece zerada.” (GOMES, 2019, p. 421). 
Ocorre que, a Justiça Eleitoral esta cada dia mais combativa no tocante às fraudes quanto à politica de cotas de gênero. Um grande exemplo dessa atuação se deu na cidade de Valença do Piauí, quando seis vereadores eleitos tiveram seus mandatos cassados pelo uso de candidaturas femininas fictícias nas coligações, as chamadas candidaturas “laranjas”. 
O Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI) entendendo que houve irregularidades, já havia reconhecido a fraude na quota de gênero dos 30%, no tocante às candidaturas das coligações Compromisso com Valença I e II e fixou as seguintes sanções: cassação dos registros das cinco candidatas que incorreram no ilícito, além de sua inelegibilidade por oito anos e cassação dos demais candidatos registrados por ambas as chapas, na qualidade de beneficiários. 
Na prática, ao analisarmos os dados da ultimas eleições, os resultados não deixam dúvidas quanto a falta de representatividade feminina na politica, senão vejamos: 
Levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que, no último pleito municipal, em 2016, 89% dos 16.131 concorrentes que não obtiveram um voto sequer eram mulheres. O fato de 14.417 candidatas terem votação zerada reforça que elas compuseram as chapas somente para cumprir a legislação. 
Conforme ainda a Suprema Corte Eleitoral, são mais de 77 milhões de eleitoras em todo o Brasil, ou 52,5% do total de 147,5 milhões. Apenas 9.204 candidatas concorreram a um cargo eletivo em 2018, quando houve disputas estaduais e federais. Se o número já era baixo, o resultado, obviamente, foi mais: 290 acabaram eleitas. Mesmo assim, houve aumento de 52,6% em relação ao resultado de 2014, quando 190 mulheres assumiram os cargos em disputa. Enquanto, no ano passado, as escolhidas corresponderam a 16,2% dos 1.790 eleitos, em 2014, elas equivaliam a 11,1% do total de 1.711. 
Nas eleições de 2018, dentre as 27 unidades federativas do Brasil, apenas o estado do Rio Grande do Norte elegeu uma mulher como governadora. 
Pegando como referencia o Estado da Bahia, os dados são alarmantes, em 2018, do total de 63 Deputados Estaduais eleitos, somente 10 foram mulheres e dos 39 Deputados Federais, apenas 03 são do sexo feminino. 
Não nos esquecendo, que em Ilhéus, na eleição municipal passada, mesmo com o número maior de eleitoras (52,700 %), não conseguimos consagrar nenhuma candidata vencedora para ocupar uma das cadeiras da câmara de vereadores. 
Agora, com a proibição das coligações proporcionais, surge a esperança de que os partidos políticos tratem as candidaturas femininas com mais afinco, pois, dificulta o "efeito Tiririca”, e cada mulher que obtiver votação pífia, diminuirá a oportunidade de conseguir mais cadeiras para o partido na câmara, pois os votos agora são do partido, sendo portanto necessário que todos os candidatos sejam bem votados, além é claro de que em caso de ser comprovada alguma candidatura “laranja”, o partido poderá até perder os mandatos dos candidatos eleitos. 
Nesse contexto, percebe-se que não basta garantir o número de 30% de vagas para concorrer, é necessário conferir às candidatas mulheres as mesmas condições e as mesmas oportunidades. É preciso, que haja uma mudança de consciência da população a respeito da importância da mulher na política, o que é indispensável para a consolidação da democracia. 

Um comentário:

  1. Valeu Ana Matilde!!! Muito boa a sua explanação , veremos nesta eleição que, se aproxima , nós mulheres tenhamos um papel dignificante!!! Parabéns...

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