O livro mais recente de George Weigel, “The Next Pope: The Office of Peter and a Church in Mission” [O próximo papa: o ofício de Pedro e uma Igreja em missão], é curto, com apenas 141 páginas. Mas também é curto no sentido de que o que ele comunica é uma repetição dos temas anteriores de Weigel ou uma retratação de ideias – algumas verdadeiras, mas banais, e outras enganosas e quase caricaturais. A única novidade real é o grau com o qual ele asperge o papa atual com insinuações maliciosas, sem a coragem suficiente para dizer claramente onde ele acha que o Papa Francisco errou.O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catolhic Reporter. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“O próximo papa: o ofício de Pedro e uma Igreja em missão”, novo livro de George Weigel. (Foto: Divulgação) |
Será que alguém questionaria esta afirmação de Weigel, quando ele escreve, no início do livro, que “Jesus Cristo e o seu Evangelho são a razão pela qual a Igreja existe. E, por causa disso, a proclamação desse Evangelho e desse Cristo deve estar no centro daquilo que a Igreja Católica faz”. Sim, é claro que isso é verdade. Alguém tem dúvida?
Weigel desce quase imediatamente para caricaturas das várias abordagens à evangelização. Ele escreve: “Neste momento da história católica, em que alguns negam que a revelação de Deus julga a história e sugerem que o fluxo da história e a nossa experiência atual julgam as verdades da revelação, é importante lembrar como foi robusta a defesa do Concílio Vaticano II da realidade e da verdade da revelação divina”.
Quem acha que a história se posiciona como juíza da revelação? Enquadrar os debates contemporâneos dentro da Igreja dessa maneira não é um exemplo de defesa das próprias ideias; é um enquadramento incorreto dos debates.
Depois de uma bela citação da constituição dogmática do Vaticano II sobre a Revelação Divina, Dei Verbum, Weigel escreve: “O próximo papa deve entender isso e ensinar isso à Igreja do mundo inteiro”. Existe alguma chance de que ele não o fará?
Para ilustrar melhor o seu argumento, Weigel monta uma série de espantalhos e os derruba. “As palavras do Senhor Jesus sobre a natureza do matrimônio e a sua permanência continuam sendo verdadeiras e vinculantes hoje?, pergunta ele. “Ou a nossa experiência da fragilidade do matrimônio na sociedade contemporânea nos capacita a ajustar ou até mesmo a corrigir aquilo que Jesus ensinou?”
Se essa não é uma maneira tendenciosa de levantar as questões enfrentadas pelos Sínodos dos Bispos sobre a família, eu não sei o que é.
Ele segue com uma pergunta, dirigida ao mais recente Sínodo sobre a Amazônia, que não é apenas tendenciosa, mas também ofensiva: “A Grande Missão de ir e fazer discípulos em todas as nações se aplica aos povos indígenas?”. Você vira a página esperando que ele defenderá os batismos forçados...
Ele termina essas descaracterizações com um pronunciamento que eu só posso rotular como “estadunidense”, e não em um bom sentido: “A Igreja Católica da Nova Evangelização – que é a Igreja Católica da verdade da revelação – vive. A Igreja Católica da acomodação cultural – a Igreja incerta sobre a verdade da revelação e, portanto, incapaz de proclamar o Evangelho destemidamente – está morrendo ou já está morta”.
Sucesso não é um dos nomes de Deus, e a abordagem “Quem está ganhando?” de Weigel tem o sabor das atitudes utilitaristas e gerenciais que ele critica, com razão, em outros lugares.
De fato, é digno de nota que, enquanto Weigel examina por que a Igreja no Ocidente está, na sua opinião, quase moribunda, ele menciona a palavra “materialismo” apenas uma vez e em relação à condenação do Papa Bento XVI ao “materialismo positivista”. Assim, o materialismo só é digno de nota como categoria filosófica.
Perdoe-me por ressaltar que você não precisa prestar muita atenção à cultura ambiental para reconhecer que esse materialismo, não como uma ideia, mas como uma realidade vivida – almoço de domingo com flores ilimitadas, o marketing infinito das coisas, todo o entendimento da vida moderna a partir do slogan “o negócio dos Estados Unidos é o negócio” –, conseguiu diminuir o significado da religião na nossa cultura onde o marxismo falhou. Tais fatos sociológicos, é claro, são algo que Weigel é incapaz de ver.
Se tudo isso soa familiar, é porque algumas partes deste livro parecem ter sido copiadas e coladas do livro de Weigel de 2013, intitulado “Evangelical Catholicism” [Catolicismo evangélico]. Aquele livro, assim como este, sofria de uma compreensão hiperindividualista da fé como “amizade com Jesus”. Aquele livro também trazia críticas àquilo que Weigel chama de “Catholic Lite” [catolicismo leve, “light”], falhando em reconhecer as maneiras pelas quais ele também negligencia ou diminui partes do ensino da Igreja que acha desconfortáveis.
Weigel pode alegar que esses proponentes do “Catholic Lite” falham em “ensinar a fé em plenitude”, mas foi ele quem usou seu marcador de texto para decidir quais partes da encíclica Caritas in veritate, de Bento XVI, eram dignas de atenção.
Quando você pensa que já leu tudo isso antes, Weigel introduz uma nova nota: no capítulo sobre a plenitude da fé católica, ele escreve uma série de afirmações sobre o que o novo papa precisa fazer e que são realmente ataques passivos-agressivos contra Francisco.
“O próximo papa [deveria] acolher e responder a questões e críticas sérias e respeitosas daqueles que compartilham a preocupação e a responsabilidade pela Igreja”, escreve ele, uma óbvia referência às capciosas perguntas apresentadas como dubia submetidas a Francisco por vários cardeais conservadores.
“O próximo papa deve tomar cuidado para não falar de maneira a identificar suas opiniões pessoais com os ensinamentos estabelecidos da Igreja”, preocupa-se Weigel. No entanto, foi a “Teologia do Corpo” do seu herói, o Papa João Paulo II, que representou opiniões pessoais e opiniões filosóficas a esse respeito, mas que são tratadas como textos sagrados por muitos conservadores católicos.
Sobre uma dessas sugestões, eu concordo plenamente com Weigel. Ele escreve: “Ao mesmo tempo, o próximo papa deve chamar as Igrejas locais rebeldes – cuja preocupação pelas situações únicas que elas enfrentam as levou a estados de fato de apostasia ou de cisma – a uma relação renovada e reformada com a Igreja universal, a sua doutrina e a sua prática pastoral”. Ele tem a Igreja da Alemanha em mente. Eu tenho a Igreja dos EUA.
No fim do capítulo, a atitude condescendente de Weigel está de volta à sua plena exibição. Ele escreve: “A Grande Missão não inclui instruções sobre diálogo e acompanhamento. (...) O diálogo e o acompanhamento podem ajudar os cristãos a experimentar mais plenamente a misericórdia divina. O diálogo e o acompanhamento são apenas meios, porém. Não são fins”.
É verdade, mas, quando você está dialogando e acompanhando uma pessoa humana, é vital vê-la como um fim, não apenas como um mero meio para fazer argumentos desagradáveis sobre a teologia do “Catholic Lite”.
O capítulo sobre o humanismo cristão tem algumas observações incontestáveis. Weigel critica, com razão, a eclesiologia que restou após o Vaticano I – “Em algumas mentes católicas, os bispos locais eram os gerentes de uma vasta corporação global cuja função principal era executar o que o diretor executivo em Roma decretava” – mas ele atribui isso erroneamente a um “acidente da história”.
Sim, o Concílio terminou abruptamente devido ao início da Guerra Franco-Prussiana em 1870, mas a eclesiologia ultramontana então em voga, e exigida pelo Papa Pio IX, provavelmente teria vencido a luta eclesiástica se o Concílio continuasse.
A conversa fiada de Weigel sobre o “sacerdócio heroico” faz parte da cultura clerical que deve ser arrancada, e não indultada.
Os capítulos finais, sobre os leigos, a reforma da Cúria, o ecumenismo e os assuntos mundiais, são articulações didáticas de princípios neoconservadores, exagerando até o ponto de afirmar que o Papa João Paulo II era um “neocon”, e cheios de insinuações sobre a ingenuidade ou o paroquialismo de Francisco.
Em 2013, após a renúncia-surpresa de Bento, o Wall Street Journal convidou vários católicos a responderem à pergunta : o que os cardeais devem procurar em um novo papa? O novo livro de Weigel acrescenta pouco às cerca de 300 palavras que ele escreveu naquela época: “O próximo papa deveria ser, em suma, um guerreiro cultural carismático e missionário, desafiando as democracias do mundo a reconstruírem seus fundamentos morais e oferecendo a doutrina social católica como uma ferramenta para essa tarefa urgente”. Um guerreiro cultural que defenda as partes da cultura de que Weigel gosta e ataque aquelas das quais ele não gosta.
Temos um guerreiro, sim, mas cujas prioridades são um pouco diferentes das de Weigel.
Não vou escrever um livro sobre o “próximo papa” tão cedo. Mas observarei que eu também respondi à pergunta do Wall Street Journal em 2013. Eu pedi que os cardeais procurassem um novo papa que exercesse seu ministério entre os pobres, visitando refeitórios populares, não apenas catedrais, em suas viagens, consultando os sem-teto e as lideranças civis, talvez adotando um estilo de vida e um vestuário menos extravagantes. Eu concluía:
“Identificar-se com os pobres permitiria ao novo papa dar evidência visível às profundas suspeitas do catolicismo sobre o capitalismo consumista moderno. O capitalismo valoriza a economia e a agressividade, seus heróis são os empreendedores multiformes e autofabricados da indústria. Ele prospera na competição.
“Mas os cristãos seguem a Jesus Cristo, cuja graça é gratuita, não econômica, cuja vida se caracterizou pela contemplação, não pela agressão. Jesus não foi um empreendedor autônomo, mas alguém radicalmente dependente da vontade do seu Pai.
“Jesus e a Igreja que os católicos acreditam que ele fundou valorizavam mais a solidariedade do que a competição. Ele caracterizou o seu ministério como o gesto de levar boas novas aos pobres. Bento XVI não teve vergonha de criticar o capitalismo em seus escritos. Precisamos de um papa que o critique pelas suas ações.”
Assim como Weigel, eu não sinto muita necessidade de mudar o meu tom, exceto que o meu tom estava afinado, e o dele estava – e está – desafinado. O hino católico do século XXI está sendo cantado em um tom diferente da visão americanista distorcida e neoconservadora que Weigel colocou novamente diante de nós.
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