segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Depois das eleições

Nesse mês de novembro, duas eleições, a norte-americana para presidente e a municipal no Brasil, provocam tanto nossa racionalidade quanto nosso imaginário. A razão é provocada pela necessidade de um discernimento e, no caso da brasileira, de uma escolha. A norte-americana, com seus lances desconcertantes desse ano, leva nossa imaginação a pensar em conspirações, convulsões sociais, grandes bandeiras políticas desfraldadas ou jogadas por terra.
Por mais desafiadoras, excitantes ou frustrantes que sejam, as eleições passam. A vida volta ao normal e temos que discernir a melhor compreensão e as melhores condutas em função das mudanças que inevitavelmente acontecerão. O maior perigo, nesse momento, é carregar paixões e rivalidades do contexto eleitoral para um outro momento, que deveria ser marcado pelo diálogo em busca do bem comum e não pelas rivalidades partidárias.
A maioria, a oposição e a verdade
A democracia é o melhor sistema para resolvermos discordâncias políticas. É “menos pior” seguir a maioria do que seguir o mais forte. A democracia, contudo, não determina o que é verdadeiro ou falso, certo ou errado. Um candidato não está correto hoje porque ganhou as eleições ou errado ontem, porque as perdeu. Frequentemente queremos defender nosso candidato como se o resultado eleitoral fosse uma confirmação da verdade. Queremos obrigar os outros a pensar como nós porque nosso partido ganhou, ou nos desesperamos como se a possibilidade de derrota significasse a condenação dos valores em que acreditamos. A verdade permanece sendo a verdade, o certo permanece sendo o certo, quer a maioria concorde, quer a maioria discorde.
Isso não nos autoriza a negar os resultados de uma eleição quando ela nos é desfavorável. Nem a fazer oposição sistemática a quem está no governo quando nosso partido é perdedor. O negacionismo e o oposicionismo sistemáticos são dois venenos graves para o bem comum, pois vão erodindo a capacidade de criar um diálogo construtivo de esclarecimento mútuo e busca do bem comum. Alguns pensam que aceitar a vitória do outro seria uma rendição ao relativismo. Mas ele, o relativismo, não é combatido com a teimosia ou com a repetição exaustiva de verdades conhecidas, e sim com o esforço sempre renovado de encontrar os argumentos adequados para se redescobrir a verdade, dialogando com os demais, em cada novo contexto.
Para termos uma visão adequada do que é a democracia, temos que entender ainda que a definição “vontade da maioria” é incompleta, até falha. Muitas ditaduras começaram como imposição da vontade da maioria. O que caracteriza a democracia é que o poder do mais forte (seja ele um ditador, um partido ou até mesmo a maioria) não oprime nem reduz os direitos de cada cidadão, quer ele concorde ou discorde desse poder. Além disso, uma democracia estável e justa implica em mecanismos institucionais que limitam a ação dos poderosos, impedindo que eles (mesmo que sejam governantes) oprimam o povo ou atentem contra o bem comum.
Duas indicações da Fratelli tutti
Na Fratelli tutti (FT), o Papa Francisco traz várias indicações importantes para um momento pós-eleições. A primeira é a aposta no perdão e na reconciliação (FT 236-243). Não existe um partido onde todos sejam bons, honestos, inteligentes e bem intencionados em oposição a outro, onde todos são maus, desonestos, imbecis e mal intencionados. Gente boa e gente ruim existe em todos os partidos. Mais ainda, todos nós temos alguns bons amigos, gente bem intencionada e inteligente, que nas eleições votou de forma totalmente oposta à nossa. Agora é o tempo de abandonarmos qualquer mágoa ou ressentimento e procurarmos juntos o melhor discernimento diante dos desafios da realidade.

Essa é outra importante indicação da Fratelli tutti: superamos nossas diferenças quando procuramos juntos as melhores soluções para os problemas complexos que enfrentamos (FT 228-232). Diante de uma situação polêmica, nossa tendência é logo apresentarmos nossa posição e desqualificarmos a posição contrária. O resultado é uma incompreensão que não permite o diálogo ou a chegada a um consenso. Se queremos realmente construir o bem comum, temos que começar procurando entender qual é o problema real, como nós o caracterizamos e como o outro o caracteriza. Veremos, frequentemente, que cada um de nós salienta um aspecto da questão e minimiza os demais. Se construirmos uma visão compartilhada, mais rica e abrangente, conseguiremos nos entender com mais facilidade e provavelmente chegaremos a uma solução mais integral, que contempla os aspectos positivos das duas posições, evitando as falhas de ambas.
Sem oposições sistemáticas ou apoios incondicionais
Os políticos eleitos são humanos e, como tais, podem tanto acertar quanto errar. Não importa se foi neles que votamos ou não. Quando acertam, temos que apoiá-los, quando erram, temos que alertá-los e até nos opormos fortemente se necessário. Um dos maiores erros de muitos católicos é acreditarem que devem apoiar todas as ações de um político que alega seguir os valores cristãos e condenar a todas as ações de um outro, porque supostamente se colocou contra esses valores em alguma ocasião.
Essas posições do tipo “tudo” ou “nada” frequentemente nos levam a situações contraditórias, que se transformam até em contratestemunho. O exemplo típico, até um pouco esquemático, é o político que, numa dada questão, votou segundo nossos valores e depois se revelou corrupto. Ele votou da forma que considerávamos melhor, ótimo, vamos apoiá-lo e parabenizá-lo nessa votação. Ele se revelou corrupto, lamentável, não vamos considerá-lo inocente porque votou como queríamos anteriormente.
Mas, nesse caso, não estamos abrindo espaço para que ele seja substituído por outro, contrário a nós? Talvez sim, talvez não. Se isso acontecer, aumenta nossa responsabilidade em encontrar e apoiar outras pessoas boas e honestas, para que tomem o lugar daquele corrupto que parecia votar como nós (na verdade, provavelmente estava nos enganando e o conjunto de suas ações acabavam conduzindo para o mal).
Quando apoiamos atitudes erradas de um político, só porque ele se declara defensor de valores caros a nós – não importa se é o valor da vida ou a luta contra a pobreza, por exemplo — nos tornamos contraditórios e enfraquecemos a aceitação desses mesmos valores por parte da sociedade em geral. Esquerdas e direitas, progressistas e conservadores, têm perdido credibilidade, ao longo da história, por contradições desse tipo. A solução é sempre procurarmos e apoiarmos quem está, naquele momento, do lado do bem comum, sem partidarismos. Essa isenção se torna um testemunho de coerência fundamental tanto para o anúncio cristão quanto para a construção de uma política melhor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário