domingo, 20 de dezembro de 2020

ANIMAIS MALTRATADOS: quem resgata e quem assume?

Sobre o evento do resgate dos 30 cães maltratados do Banco da Vitória e o jogo de empurra-empurra da administração pública, comum ao tema de maus tratos, a verdade é que já está na hora da sociedade reunir-se e tomar conhecimento da responsabilidade legal de cada um dos atores envolvidos neste problema, sejam eles as autoridades de saúde, legisladores, advogados, ONGs, acadêmicos, tutores, e a população em geral.

Tatiani V.Harvey
Médica Veterinária 
Doutora em Ciência Animal com ênfase em Doenças Parasitárias
Especialista em Clínica de Pequenos Animais
Colaboradora do One Health Institute Heukelbach 
No caso em questão, mais uma vez o tema maus tratos virou peteca na mão da administração pública. Mas, afinal, quem tem responsabilidade na abordagem contra os crimes de maus tratos? Primeiramente, os órgãos públicos apenas podem agir quando a lei dá a eles autoridade para tal. Assim, na situação de maus tratos, o norte é a Lei dos crimes ambientais (Lei 9.605/98), a qual, no Art. 70, aponta a autoridade responsável através dos seus parágrafos, os quais determinam que “são autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha”; que “qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia”; que “a autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade”. Assim, a autoridade competente para resolver tal situação é o poder judiciário acionado pelo Ministério Público, ou os órgãos do SISNAMA, incluindo as coordenações do meio ambiente, o IBAMA, a polícia ambiental, entre outros. Ou seja, o crime de maus tratos está elencado entre as responsabilidades das Secretarias do meio Ambiente. 
Ainda dentro do caráter legal, ressalto que os CCZs ou UVZs são vertentes do SUS, que visa, exclusivamente, a saúde humana – e o próprio nome dos centros ou unidades já esclarece esta função a cumprir. Sendo assim, é vedado o uso de seus recursos físicos, humanos e financeiros para fins não previstos como ações do SUS. Nesta condição, ao receber uma denúncia de maus tratos a animais, a qual não é um problema de saúde pública – pode vir a ser, mas não é -, a UVZ tem apenas o dever de orientar o denunciante a oficializar a denúncia pela via legal, que pode ser feita através de uma delegacia de polícia, a fim de registrar um B.O., do Ministério Público, a fim de iniciar uma ação, ou dos órgãos do SISNAMA. Ou seja, os CCZs ou UVZs não têm responsabilidade legal com a proteção, tutela ou tratamento de animais que sofrem maus tratos. Mas, com a condição dos animais portadores de doenças zoonóticas. 
Em Ilhéus, há anos a UVZ tem atendido denúncias de maus-tratos aos animais, mesmo com a isenção legal desta responsabilidade, considerando tanto as leis federais como a legislação municipal para controle e prevenção de zoonoses. Lembrando que uma nova lei foi aprovada pela Câmara Legislativa este ano. A UVZ, nas últimas gestões, atendeu e atende as denúncias acompanhada de autoridade policial, uma vez que sua autoridade sanitária está atrelada às ações de cunho sanitário, o que não é o caso da situação de maus tratos. Ou seja, a Unidade confirma a situação de maus tratos, investiga os casos suspeitos de zoonoses, orienta os tutores e denunciantes essa função terminaria aí. E a lei municipal deixa clara o encaminhamento de animais aos centros de proteção animal. Pois a Unidade deve albergar apenas animais suspeitos de doenças zoonóticas. 
Bom, mas de quem é a responsabilidade legal de tratamento clínico de animais maltratados e isentos de parasitas zoonóticos? Quem vai acolher estes animais quando não há vagas em unidades de proteção? Qual a logística para tal ação? Não deveriam ser os tutores negligentes os responsáveis pelo tratamento destes animais? Cidadãos que não têm condições de criar animais podem continuar criando seus animais de maneira negligente e colocar a saúde pública em risco? Aqueles que pensam que a gestão pública deve custear o tratamento de animais abandonados e maltratados estão realmente visualizando o número gigantesco de animais nesta situação? Será que isso não é enxugar gelo? Deveríamos ter leis mais rígidas para a tutela de animais? O problema de maus tratos animais é imenso e complexo, e envolve humanidade. A sociedade e as autoridades públicas devem sair da zona de conforto e encarar esta discussão de frente. Lembrando que “panos quentes” também queimam.

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