domingo, 17 de janeiro de 2021

A crueldade contra animais na equação da violência

A partir da segunda metade do século XX, a ciência passou a buscar uma melhor compreensão dos fatores que conduziam os adultos e crianças a comportamentos violentos. O pioneirismo de MacDonald e Tapia desencadeou inúmeros estudos que apontaram o efeito dos ambientes familiares caóticos na conduta violenta e cruel de adultos e crianças contra outros seres humanos e, também, contra os animais. E foi esse, então, o primeiro momento em que a sociedade, ao menos a acadêmica, voltou a sua atenção às causas da crueldade contra os animais.
Tatiani V. Harvey
Médica Veterinária 
Doutora em Ciência Animal com ênfase em Doenças Parasitárias
Especialista em Clínica de Pequenos Animais
Colaboradora do One Health Institute Heukelbach 
Foi neste contexto, através de estudos que buscavam delinear um perfil mais acurado de criminosos e assassinos e as causas de seu comportamento agressivo, ou que investigavam a crueldade animal praticada por crianças, que surgiu o que chamamos, hoje, de Teoria do Link. Esta teoria fundamenta-se na associação entre a violência doméstica, os maus tratos a crianças e idosos e os maus tratos aos animais, domésticos ou silvestres. Ou seja, o abuso e a violência doméstica podem resultar em violência contra os animais, e esta pode ser um indicador da violência doméstica. 
No entanto, ressalto que nem todo o ambiente caótico ou violento resultará num indivíduo violento. E que nem todo o indivíduo que pratica atos de violência contra outros seres humanos irá, fatalmente, praticar a violência contra animais. Mas, os estudos mostram que a detecção de um destes atos pode, certamente, ser um alerta para a presença dos outros. Como exemplo, cito os resultados de um estudo realizado por um membro da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que teve como objetivo verificar se os autores de crimes de maus tratos contra animais também haviam cometido outros crimes, incluindo crimes de violência, entre 2010 e 2012. Além disso, o estudo avaliou a aplicação da Teoria do Link nas ocorrências atendidas pela Polícia Militar. Neste estudo, dos 643 autuados por maus tratos aos animais, 32% já possuíam registros criminais. Estes indivíduos, ao todo, somavam 595 outros crimes, incluindo lesão corporal, homicídio, furto, ameaça, dano, roubo, estupro, porte ilegal de arma, entre outros. Destes crimes, 50% resultaram em violência contra pessoas. Diante disso, o autor deste estudo entendeu que o atendimento às denúncias de maus tratos pode servir, também, como estratégia preventiva contra outros crimes, contribuindo com a ruptura do ciclo de violência proposto na Teoria do Link. Para entender mais claramente este ciclo, imaginemos, por exemplo: uma criança que presencia, com frequência, atos de violência de um membro familiar contra seu animal de estimação tende a repetir este comportamento no futuro; um indivíduo maltratado durante a infância tende a reproduzir atos de violência. Este é o ciclo que precisa ser quebrado para evitar a perpetuação da crueldade contra animais, e para evitar a propagação da violência tanto pelo homem, quanto pelos animais. Fica evidente, então, a importância da detecção de casos de maus tratos como alertas para a presença de indivíduos violentos e que possam cometer outros crimes, além de ser importante, ainda, para a identificação de lares desestruturados e que possam originar indivíduos violentos. 
No contexto de Saúde animal, é importante considerar alguns aspectos. A crueldade não diz respeito somente a crimes de violência, mas, também, a qualquer tipo de manejo consciente que impacte negativamente na saúde e no bem-estar do animal. Consideremos, ainda, que um animal maltratado, constantemente, tende à agressão, também. E esta agressão defensiva pode culminar em duas situações distintas, sejam elas a morte do próprio animal e em lesões graves em tutores e seus entes familiares. 
Mas como aplicar esta teoria e produzir resultados positivos à Saúde Animal e Pública? A proposta do Capitão Robis, apresentada em 2013, inclui a integração dos órgãos de assistência social na logística de atendimento às denúncias de maus tratos. No atendimento destas denúncias, em ambiente familiar, a autoridade policial entrevistaria os membros familiares a fim de verificar a ocorrência de outros delitos ou atos de violência no histórico familiar. Posteriormente, uma cópia do boletim de ocorrência seria fornecida ao órgão de assistência social para que um profissional especializado visite o local e realize ações investigativa e preventiva de atos de violência doméstica e contra animais. 
Por fim, fica bem claro, agora, que a luta contra os maus tratos não é apenas uma das bandeiras ambientalistas do momento. Neste âmbito, a briga contra os maus tratos aos animais pode ser uma ferramenta extremamente útil para o combate à violência e à proteção da Saúde Pública. Revisemos a equação, a violência doméstica pode resultar em maus tratos contra animais, bem como atos de abuso aos animais podem ser indicadores da presença ou formação de indíviduos violentos no futuro. Fiquemos atentos!

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