quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Intolerância Religiosa: expressão de ignorância de fé

Não obstante a pujança sentimental, de maneira positiva, suscitada na sociedade brasileira nesses últimos dias, existem algumas questões que clamam nossa atenção e reflexão. É verdade que o tema mais discutido neste momento é a chegada da vacina, como uma expressão de cuidado com a vida, como dom especial do Criado e que deve ser valorizada como uma realidade preciosa e cara à natureza humana.
Pe. Damião Conceição de Souza Borges
Não obstante, necessário se faz que seja dado um intervalo, em meio a tantos acontecimentos, para se falar de algo que mexe profundamente com o ser humano, crente por excelência, que é a intolerância religiosa. Essa temática deve ser debatida com muita responsabilidade, uma vez que intolerância é uma maneira de agredir a liberdade do outro, com todo o significado que essa expressão carrega, ainda mais aqui no Brasil, que possui em sua história, diferentes etapas de lutas e conquistas. 
O ser humano, criatura especial, saída das entranhas do Criador (cf. Gn 2,26-31), é marcado pela falta existencial, experimentada por todos os homens e mulheres de todos os tempos. A experiência religiosa, por este prisma, é algo inato ao ser humano, haja vista que ele traz a marca do Eterno em suas entranhas. Isso se dá a partir de uma condição de finitude, sinal registrado dos homens e mulheres de todos os tempos. 
A expressão intolerância religiosa é usada para identificar a incapacidade de aceitar a diferença na forma de praticar a religião ou crença de outros indivíduos. As atitudes mais elucidativas são: discriminação, violência física e ideológica, vandalização ou qualquer ato que fira a liberdade de culto. De acordo com Dom Murilo Krieger, arcebispo emérito de Salvador: “Intolerância religiosa é a discriminação contra pessoas ou grupos com opiniões divergentes no campo religioso. Segundo a Constituição brasileira, a todos cabe o direito de abraçar a religião que quiserem; também os que não têm religião alguma devem ser respeitados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é nessa linha: “Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião” (Art. 18). (cf. https://www.cnbb.org.br/intolerancia-religiosa). Acesso em 18.01.2021. 
Uma das coisas mais belas que o ser humano tem garantida, ou ao menos deve ter garantida é a liberdade. Essa é a nobreza do Criador, que desejou o ser humano com as capacidades de fazer escolhas, ainda que equivocadas. Neste sentido, desde 2007, com a Lei nº 11.635, o dia 21 de janeiro é marcado pela luta nestas terras brasileiras, pela liberdade que cada pessoa deve gozar de cultuar o deus que quiser, ou, se assim desejar, de prestar culto a nenhum deus. 
Este tema deve suscita dois movimentos nos cristãos: o primeiro é o de entendimento que o ser humano está para além de sua forma de viver uma religiosidade, haja vista que há uma única natureza humana e que todos são iguais perante a lei e as situações desastrosas da vida (a pandemia está aí gritando essa verdade todos os dias). O segundo movimento é uma necessidade de superação de diferenças entre as religiões, a saber, o que ainda acontece em muitas situações, que expressa a falta de abertura à forma de culto do outro é um grande prejuízo na luta pela superação da intolerância. Uma coisa é não praticar a mistura religiosa; outra é menosprezar a forma de crer do outro. 
Em um mundo completamente plural, é inadmissível, em nome de uma fé, vilipendiar a forma de crer dos outros. Assim sendo, não dá para ficar inerte frente aos muitos fatos ocorridos no Brasil de escárnio à fé cristã, com vulgarização de símbolos cristãos, usados como meio de afrontar a fé do outro. Por outro lado, não pode ser aceitável a depredação de templos religiosos de matriz africana, com justificativa de superioridade religiosa. 
É momento de decisão pela vida, pelo respeito, pela empatia e que Deus, o pai das luzes, ajude a todos neste tempo de discernimento! 

2 Presbítero da Diocese de Ilhéus. Licenciado em Filosofia pela FBB, Bacharel pela UCSAL, chanceler da Cúria diocesana de Ilhéus e mestrando em Direito Canônico pelo Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro, agregado à Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. 

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