Na foto ao lado: Irmã Maria Teresa Moser (centro) disse a colegas que famílias inteiras estão sendo contaminadas no interior da Libéria. Fonte: Arquivo pessoal - BBC
"As reuniões de trabalho e sociais foram reduzidas a um mínimo. As únicas das quais participo são as realizadas quinzenalmente na sede da força de paz da ONU na Libéria, ocasião na qual o corpo diplomático é informado e consultado sobre diversos aspectos do esforço de combate à epidemia", disse à BBC Brasil, por e-mail, o embaixador brasileiro no país, André Luis Azevedo dos Santos, que mora na capital Monróvia.
"Não mais abraçamos ou apertamos as mãos das pessoas que encontramos, o cheiro de cloro (usado para desinfecção das mãos) é onipresente e lavamos as mãos dezenas de vezes por dia. Estou aqui com a minha mulher e nossa rotina doméstica foi sendo afetada gradualmente: fechamento da academia de ginástica onde nos exercitávamos; interrupção do consumo de algumas frutas (não mais disponíveis nos mercados de rua); redução do número de idas a supermercados e demais recintos públicos."
A situação é ainda mais grave no interior do país, diz Santos, onde muitas pessoas não acreditam que se trate de uma epidemia - acham que sua água foi envenenada ou que são vítimas de um feitiço - onde muitas famílias se recusam a entregar os corpos de seus mortos às autoridades, para que possam realizar funerais segundo sua tradição.
"Durante o velório, familiares e amigos tocam o corpo do falecido para 'dar sorte'", relata o diplomata. "As autoridades sanitárias proibiram tais práticas, passando a remover e a enterrar os corpos em valas coletivas. É claro que a população se revoltou e, até hoje, o governo tem de lidar com uma resistência muito grande. É nesse contexto que ocorrem os enterros clandestinos."
"Cabe ressaltar também o estigma enfrentado pelas famílias que têm um de seus integrantes contaminado (vivo ou não): os sobreviventes são discriminados e tratados como párias."
'Não tem para onde fugir'
É no interior do país que atua a missionária católica brasileira Maria Teresa Moser, da Ordem Consolata.
Em carta às colegas brasileiras em 13 de agosto, a irmã relata o caso de uma comunidade em que mais de 40 pessoas morreram por conta do vírus do ebola. Cerca de outros dez missionários foram contaminados.
"Em poucos dias, (a doença) matou muitas pessoas entre nós. Durante a guerra (civil liberiana, terminada em 2003) a gente fugia de uma parte a outra para se defender. Agora não tem para onde fugir e sair. O ebola está em todo lugar, é agressivo e impiedoso."
Ela conta que muitos moradores escondem seus mortos em casa e não acreditam nas precauções ordenadas pelo governo.
"Os agentes que dão explicações sobre o ebola estão sendo perseguidos e ameaçados pelos moradores. (...) Em várias famílias, morreram até oito ou dez pessoas. Morrem jovens, velhos, gente de todas as idades. Temos que evitar toda a demasiada aproximação com as pessoas, mesmo que (aparentem ser) saudáveis."
A BBC Brasil tentou contato direto com Moser, mas seu celular está indisponível e ela não respondeu aos pedidos de entrevista por e-mail. A embaixada em Monróvia diz, no entanto, que tem mantido contato direto com a pequena comunidade brasileira na Libéria, de apenas 21 pessoas.
Até esta terça-feira, o Itamaraty não havia determinado a evacuação dos brasileiros dos países mais afetados pela doença (Serra Leoa, Guiné, Libéria e Nigéria), mas pedia a suas representações diplomáticas que mantivessem contato próximo com eles para monitorar a situação.
O embaixador André dos Santos explica que "a sensação de pânico parece ter diminuído entre as pessoas com quem tenho conversado, graças a mecanismos de defesa que desenvolvemos naturalmente".
Mas o diplomata ressalta que "infelizmente, as autoridades ainda não conseguiram quebrar o círculo vicioso da propagação do vírus, que hoje já afeta algumas localidades da região de fronteira com a Costa do Marfim".
"A epidemia já se espalhou por todo o país, mas há cerca de 4 milhões de liberianos que não podem simplesmente pegar um avião e fugir. Esses continuam a lutar pela sobrevivência, vendendo artefatos chineses ou milho assado nos sinais de trânsito, jogando futebol na praia ou nas ruas, trabalhando nos mercados e no comércio, namorando e se casando", descreve.
"Loucura ou irresponsabilidade? Não, definitivamente não! É simplesmente a única coisa que podem fazer, independente da gravidade da situação."
Mortos
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esta é a maior epidemia de ebola já registrada, com ao menos 2,6 mil infectados até agora. Cerca de metade deles morreram. Só na Libéria, já foram confirmadas 624 mortes.
Os sintomas da doença, que causa danos ao sistema nervoso central, incluem febre alta e sangramentos. Não há vacina, e alguns poucos doentes têm sido tratados com drogas experimentais em países como EUA e Grã-Bretanha.
A OMS alertou, nesta semana, que a epidemia contaminou também um "número sem precedentes" de médicos e enfermeiras em áreas de risco do oeste africano, por conta da ausência de equipamentos de proteção e de equipes insuficientes para lidar com o surto.
"O ebola tirou a vida de proeminentes médicos na Serra Leoa e na Libéria", diz a OMS em comunicado.
Saiba mais sobre ebola
O que é o ebola?
A doença é causada pelo vírus ebola e pode levar a morte até 90% dos doentes. Tem sintomas como febre, vômito, diarreia e hemorragia.
Como se contrai o vírus?
O ebola é transmitido pelo contato direto com sangue e fluídos corporais (suor, urina, fezes e sêmen) de pessoas contaminadas e de tecidos de animais infectados.
Quais países têm mais casos de ebola?
Guiné, Libéria e Serra Leoa vivem surtos de ebola, e há casos na Nigéria. EUA e Espanha levaram compatriotas infectados para tratamento em seus países.
O ebola pode chegar ao Brasil?
Uma pessoa infectada pode entrar no país, mas só poderá infectar alguém quando estiver com os sintomas; dado isso deve ser levada a um hospital onde será isolada.
O ebola tem cura?
Não. Existem apenas remédios e vacinas experimentais sendo testadas no Canadá e nos Estados Unidos. O tratamento consiste em amenizar os sintomas.
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