sexta-feira, 26 de junho de 2020

Eficácia jurídica do contrato de namoro

Ana Matilde Hora - Advogada especialista em
 prática civil  trabalhista e previdenciária
Por Ana Matilde HoraCom o passar dos anos, as relações afetivas e o conceito de família foram passando por transformações, havendo inclusive, significativa alteração no entendimento da expressão namoro. 
Por isso, nos dias atuais, muitos casais de namorados têm se preocupado com os possíveis efeitos que o reconhecimento de uma união estável poderia acarretar para o seu relacionamento, principalmente após o advento da edição da Lei 9.278/96, que regulamentou o art. 226, §3 da Constituição Federal suprimindo a exigência do tempo de convivência para configuração da união estável, que era de 05 (cinco) anos. 
Portanto, hoje, para se configurar a união estável, basta a comprovação da simples convivência como casal, com o intuito de constituir família, de forma pública e duradoura, como prescreve o artigo 1.723 do Código Civil. 
Além disso, o namoro dos dias de hoje é muito diferente do de anos atrás. Nos tempos modernos, os casais dormem juntos, viajam, compartilham mais intimidades e por isso, muitas vezes se torna difícil diferenciar o que de fato é namoro ou se essa convivência já se tornou uma união estável. 
Essa diferenciação se torna extremamente importante devido as consequências que a união estável pode trazer para o casal, principalmente a titulo de pensão alimentícia, partilha de bens e direitos sucessórios. 
Por esse motivo, ultimamente, muitos casais preocupados em terem o namoro confundido com união estável têm procurado os Cartórios para celebrarem um contrato de namoro, ou seja, então namorando “de papel passado”. 
Muitos doutrinadores têm defendido a possibilidade da celebração do contrato de namoro, inclusive, Veloso (2009) afirma: 
"tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um “contrato de namoro”, ou seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de constituir uma entidade familiar, com as graves consequências pessoais e patrimoniais desta.” (VELOSO, 2009). 
Entretanto, embora esteja sendo muito utilizado, alguns doutrinadores defendem a ineficácia jurídica dessa espécie de contrato. Do ponto de vista de Gonçalves (2013), o denominado “contrato de namoro” possui, eficácia relativa, pois a união estável é um fato jurídico, um fato da vida, uma situação fática, com reflexos jurídicos, mas que decorrem da convivência humana. Contudo se as aparências e a notoriedade caracterizarem uma união estável, o contrato que estabeleça o contrário e que busque neutralizar a incidência das normas cogentes, de ordem pública, inafastáveis pela vontade das partes, não possuirá validade. " 
Com o mesmo pensamento, SILVEIRA (2013), afirma que “mesmo existindo um contrato de namoro, se houver prova substancial que confirme a existência de uma união estável, não merecerá acolhimento o documento que dispor em sentido contrário à realidade vivida pelo casal”. 
Importante destacar que o artigo 422 do Código Civil determina: "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” 
Desta forma, se a intenção for burlar a união estável, o contrato de namoro estará transgredindo princípios contratuais. 
Vejamos algumas decisões dos Tribunais brasileiros: 
Para o desembargador Luis Felipe Brasil Santos, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: 
“É isso que não desejo realizar nunca, porque tenho certeza de que não estarei colaborando para o afeto, não estarei colaborando para a realização espontânea do amor, da autonomia de vontades; pelo contrário, estarei colaborando para a proliferação do medo, para o resguardo das pessoas sob a forma de contratos de namoro, esses abortos jurídicos que andaram recentemente surgindo por aí, que são nada mais do que o receio de que um namoro espontâneo, natural, simples e singelo, resultante de um afeto puro, acabe transformando-se em uma união com todos os efeitos patrimoniais indesejados ao início”. (STJ-RS, 2004). 
Analisando também a decisão do desembargador José Conrado Kurtz de Souza, também do mesmo Tribunal acima, ao julgar uma lide que buscava o reconhecimento e dissolução de união estável após a celebração do contrato de namoro, assim decidiu: 
"É mister que a situação fatídica esteja acima de qualquer documento assinado pelo casal, pois a união estável teve ingresso no mundo jurídico brasileiro como forma de proteção do Estado à família. Deste modo, o contrato de namoro não produz qualquer efeito:“Mas há de ser ponderado o tênue equilíbrio entre namoro e a união estável, pois aquele resulta inteiramente do ambiente de liberdade, que a Constituição protege, inclusive da incidência de normas jurídicas, permanecendo no mundo dos fatos. Namorar não cria direitos e deveres (...).Em virtude da dificuldade para identificação do trânsito da relação fática (namoro) para a relação jurídica (união estável), alguns profissionais da advocacia, instigados por seus constituintes, que desejam prevenir-se de consequências jurídicas, adotaram o que se tem denominado contrato de namoro. Se a intenção de constituir união estável fosse requisito para sua existência, então semelhante contrato produziria efeitos desejados. Todavia, considerando que a relação jurídica de união estável é ato-fato jurídico, cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, esse contrato é de eficácia nenhuma, jamais alcançando seu intento.” (STJ-RS, 2010). 
Portanto, no entendimento dos Tribunais acerca do contrato de namoro, têm sido no sentido de que este instrumento por si só não é capaz de afastar ou impedir o reconhecimento da união estável e seus efeitos, ficando à cargo dos magistrados a análise do caso concreto e de todo o conjunto probatório para decidir se a relação de fato trata-se de namoro ou união estável. 
Pelo exposto, o contrato de namoro pode ser compreendido como uma declaração de inexistência de união estável, no intuito de afastar as suas consequências, porém, havendo provas de que o relacionamento avançou para união estável, o contrato de namoro não será capaz de produzir o efeito desejado e sendo assim, não possuirá eficácia jurídica. 

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