sexta-feira, 26 de junho de 2020

O questionável combate às verminoses no Brasil

Dra Tatiani V Harvey
 Médica Veterinária Mestre e Doutora em
Ciência Animal Ênfase em Doenças Parasitárias
 
Para a Organização Mundial da Saúde e seus “parceiros” o controle de verminoses humanas resume-se, fundamentalmente, à profilaxia em massa de escolares contra Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiuria e Ancilostomídeos. Mas, esta ação tem sido, realmente, eficaz no controle das doenças entéricas que continuam, há séculos, matando ou impondo atrasos e prejuízos ao desenvolvimento de crianças, especialmente nos países endêmicos? 
Há 15 anos o Brasil tem adotado programas para o combate às verminoses humanas. Estes programas foram, digamos, estimulados por termos de cooperação técnica com as instituições internacionais de saúde. O programa de 2005, melhor delineado no contexto epidemiológico, infelizmente, não ganhou força. Ou melhor, foi negligenciado como as várias doenças jogadas para escanteio no programa vigente. Em 2012, guiado pelas orientações da OPAS/OMS, o país passou a focar nas verminoses transmitidas através do solo contaminado, em geohelmintíases mais populares, e adotou como estratégia de combate o tratamento em massa de escolares entre 5 a 14 anos, com uma dose profilática anual de Albendazol. Obviamente, diante do contexto político da época e dos frutos que poderia gerar, esta ação foi capturada e integrada ao Programa Brasil sem Miséria. Hoje, esta mesma estratégia não tem mais um plano específico e passou a fazer parte do grupo de ações do PSE (Programa Saúde na Escola). 
O fato é que, durante esses últimos anos diversos estudos brasileiros já vinham mostrando que o maior desafio para este público não eram mais as helmintíases, mas sim as protozooses, como a giardíase, por exemplo. E este é o desfecho da maioria dos estudos atuais em populações humanas. Outro ponto importante é que as helmintíases, apesar de terem suas prevalências reduzidas em algumas localidades, continuam acometendo estas populações continuamente. Daí é que surge a reflexão: em termos de controle de doenças e zoonoses entéricas, estes programas estão realmente “fazendo a diferença”? 
Em primeiro lugar, consideremos as verminoses que exigem diferentes protocolos de tratamento, e que não estão contempladas no programa atual. Giardíase, criptosporidiose, toxocaríase, por exemplo. E, apesar da pontualidade e despadronização dos estudos parasitológicos brasileiros, são estes achados que deveriam estar norteando os programas. 
Um outro ponto importantíssimo é que as mesmas instituições que levantam a bandeira da Saúde Única não adotam esta abordagem nestas ações, as quais, obviamente, exigem, mais do que em muitas outras, a integração de ações preventivas em populações humanas, animais e no meio ambiente. Pense: Quão eficaz é a profilaxia em massa, quando os mesmos indivíduos tratados continuam expostos, diariamente, a ambientes altamente contaminados por parasitas e por populações de animais de estimação ou animais de ruas que não têm suas parasitoses controladas adequadamente? Por que não existe um programa para animais de estimação? 
Além disso, há também outros vieses de aplicação do programa. O critério de seleção de escolas é padronizado? Qual o percentual de escolas rurais incluídas no programa? Ou, visto a conveniência, a maioria dos escolares que recebem a profilaxia são de áreas urbanas? Como é a avaliada a eficácia do programa, por município? Estão sendo tratados os indivíduos que realmente precisam? Ou as localidades com maiores prevalências? São identificados os fatores de risco destes indivíduos? Como você pode ver, há muitas dúvidas e poderíamos seguir indagando por horas. Porque chegar na escola e administrar Albendazol goela abaixo e acreditar que, com isso, reduziremos estas doenças a quase 0% até 2030, parece piada. 
E como últimos pontos, o PSE trabalha educação em saúde nas escolas, mas quantos são os alunos que passam estas informações a seus pais ou que passam a aplicar medidas preventivas? Este programa visa identificar escolares com sintomas destas doenças. E o que fazemos com a maioria assintomática que segue disseminando parasitas, especialmente em comunidades desprivilegiadas? 
Lembremos que o papel aceita tudo, mas a mente não.

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