Após ler o último artigo publicado pela equipe do LAPAR/UESC sobre os fatores condicionantes à transmissão da esquistossomose em Ilhéus, e após explorar a base de dados do SINAN, deparei-me com a seguinte pergunta: Como a vigilância da esquistossomose, em Ilhéus, contribui para a compreensão da epidemiologia da doença na Bahia e para o avanço das políticas públicas no combate a esta doença?
Tatiani V.Harvey
Médica Veterinária
Doutora em Ciência Animal
(73) 99983-5097 - +1(617) 417 1908
@dra_tatiani_harvey
A esquistossomose é uma doença de notificação compulsória (Portaria de Consolidação Nº 4, de 28 de setembro de 2017), sendo os casos registrados distribuídos em plataformas distintas, conforme o perfil de endemicidade do local de origem dos casos. Porém, na busca pelos registros anuais de casos, no período de 2000 a 2020, não encontrei registros da infecção em ilheenses. Ou seja, o município não notifica o Ministério da Saúde. E temos registros de casos no município há anos! Em 2008, um jornal local salientava a ocorrência de casos em 13 comunidades ribeirinhas, e a maior ocorrência da doença nas comunidades da Juerana e Sambaituba. Havendo casos em Inema, Nova Ilhéus e São João, também.
Os casos ocorriam e ocorrem até hoje, especialmente, em comunidades do litoral norte banhadas pelo Rio Almada. Muitos destes casos identificados, principalmente, através da pesquisa científica do LAPAR, que detectou novos casos e reinfecções em moradores da Vila Juerana, num estudo realizado entre 2016 e 2017. Na plataforma do SINAN, ao investigar os casos na Bahia, a qual concentra a maioria dos casos da Região Nordeste, observei um declínio significativo do número de casos ao longo dos últimos 20 anos, que variaram entre 62.328 (2002) e 1.739 (2013). No entanto, em 2014, última fonte anual de dados, os casos quase duplicaram no estado (3.333). Alguma explicação foi dada para o fato? Será que a doença teve o mesmo comportamento em Ilhéus? Quem sabe? Diante desta situação, o município, aos olhos da vigilância nacional da esquistossomose, assume um perfil indene, sem registro de transmissão da doença, passando desapercebido pelas vistas dos redatores dos relatórios que irão compor o programa voltado ao controle da parasitose no país. Diante deste contexto, você pode perceber, então, que a notificação de casos é muito importante para a compreensão da epidemiologia doença, principalmente ao nível local. A subnotificação, então, retarda a evolução do conhecimento clínico e epidemiológico da patologia, bem como promove o atraso das ações estratégicas de prevenção e combate à doença.
Um outro ponto que eu gostaria de destacar é a importância que deve ser dada aos casos assintomáticos de áreas endêmicas. A esquistossomose é uma doença vinculada à deficiência de infraestrutura sanitária. Dessa forma, nas comunidades que albergam os casos em cidadãos ilheenses, os indivíduos assintomáticos, inseridos num contexto de extrema vulnerabilidade social, contribuem tanto com a manutenção da transmissão da doença quanto com a dispersão o parasita por estes locais, em razão da falta de banheiros, de esgotamento sanitário, de informação, de diagnóstico precoce, de água potável o uso comum dos rios – lembrando que a doença tem veiculação hídrica – para atividades domésticas e de lazer. E esta condição é uma das grandes justificativas para a vigilância fazer-se atuante nestes locais. E aqui ressalto que vigilância não deve ser confundida com a detecção eventual de casos. Não falo da vigilância “faz de conta”, mas da vigilância propriamente dita, a vigilância através e amostragens ambientais e fecais periódicas, e através do contato com a universidade e com os resultados dos estudos científicos sobre a doença e aplicados dentro do município. Afinal, não se faz vigilância apenas com a detecção e eliminação de caramujos, que, aliás, deveriam, também, ser analisados quando à presença do parasita.
Por fim, somente um serviço de vigilância atento, qualificado, bem estruturado, e conectado com o sistema nacional de vigilância à saúde, pode resultar em políticas públicas realmente efetivas no combate da doença, bem como contribuir com a construção de um banco de dados mais sólido sobre a mesma, tanto a nível municipal quanto a nível nacional.
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