quinta-feira, 8 de abril de 2021

A alegria pascal no contexto pandêmico

É característico do tempo litúrgico da Páscoa - na sua genuína compreensão, que ele é a memória da Paixão, Morte e Gloriosa ressurreição de Jesus - de nutrir um clima de alegria, exultação e contentamento no recôndito das pessoas, tendo como elemento balizador a novidade desse evento, que marcou a história da humanidade uma vez por todas.
Pe. Damião Conceição de Souza Borges
A Páscoa, por sua vez, marca de um jeito muito peculiar a vida dos cristãos de modo geral, mas especialmente os católicos de todo o mundo, que são envolvidos por esse clima de festividade e alegria, pela certeza que seu Senhor vive e reina eternamente (cf. Ap 1,18) e um dia virá em sua glória.
No entanto, pelo segundo ano consecutivo, esse momento forte e solene da Igreja católica teve limitações na frequência das pessoas, no que diz respeito ao acesso delas aos templos, a fim de celebrar em comunhão com toda a Igreja católica os sagrados mistérios da Páscoa. Essas limitações são restritas a público, horário, formas, etc.
Com a reviravolta dada pela pandemia, com o número de contaminados sempre em crescente e o número de mortos passando dos 3.000 diariamente, os governos dos estados federados decretaram recolhimento da população, acarretando, assim, a impossibilidade de ajuntar os fiéis para o culto divino, em seu horário previsto.
Perante esse contexto desafiador, uma arguição se impõe a todos neste momento de Páscoa, uma vez que a Páscoa na Igreja católica se prolonga por 50 dias: é possível cantar as glórias, as alegrias e os louvores, requeridos pelas solenidades pascais, frente ao desastre causado pela pandemia do coronavirus?
Para responder corretamente a essa pergunta, é mister compreender, de maneira alargada, que a alegria cristã não é de freneticidade, euforia e gargalhadas, vazias e desprovidas de profundidade. A alegria litúrgica é diferente. Ela é fruto da compreensão dos tesouros da fé, tendo como ponto central a pessoa do Filho de Deus, que não fez o seu ser igual a Deus pai oportunidade de vangloria, mas simplesmente obedeceu e por isso foi exaltado (cf. Fl 2, 5-8).
Esta alegria, vibração e satisfação brotam das profundezas do ser cada cristão e não dependem de elementos exteriores. Ela é uma manifestação da certeza que Jesus, o mestre que lavou os pés dos discípulos na quinta-feira (cf. 13,1-17), morreu no altar da cruz sexta-feira (cf. Mc 15,37) não teve sua vida encerrada no sepulcro, mas cumprira a sua promessa e ressuscitou ao terceiro dia (cf. Lc 24,6).
Aquele que sempre existiu na Trindade, tomou a forma humana, se fez um com os seus irmãos (cf. Jo 1,12) e buscou, com a sua vida, sobre seu corpo, oferecer um sacrifício agradável ao Pai (cf. Hb 10,4-6); esse sacrifício foi capaz de efetivar o resgate do gênero humano, outrora escravo do pecado (cf. Ef 2,1).
Neste sentido, a alegria pascal é interna, de confiança, firmeza no espírito, de leveza e resiliência; é um contentamento por saber que Aquele que levou sobre seus ombros os pecados da humanidade (cf. 1 Pd 2,24) não ficou preso às cadeias da morte, mas rompeu as algemas e ressuscitou para sempre e nele, toda a humanidade ganhou “identidade nova, de filhos da promessa”.
A alegria no cristão, pois, é fruto da moção do Espírito Santo, que suscita conformação de vida no crente em Jesus. Por este viés, ainda que exista, atualmente, uma nuvem escura que pairou sobre a humanidade, essa jamais obscurece a liturgia da Igreja católica, sua beleza e encanto; sua serenidade e leveza; sua expectativa e gozo, de pessoas que foram tocadas pelo poder das chagas do Crucificado-Ressuscitado, que imprimiu uma vez por todas a sua marca de eternidade no ser humano.
Por esta perspectiva, é possível afirmar claramente que celebrar a Santa Páscoa, especialmente neste momento de dificuldades para a humanidade, com tantas mortes por causa da pandemia atual, é oportunidade singular para recomeçar, iniciando pedindo ao Senhor que conceda à humanidade, neste inverno rigoroso, a força do Alto e sua intervenção em favor de todos.
Que o Ressuscitado nos ajude!!

Presbítero da Diocese de Ilhéus. Licenciado em Filosofia pela FBB, Bacharel pela UCSAL, chanceler da Cúria diocesana de Ilhéus e mestrando em Direito Canônico pelo Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro, agregado à Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

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