sexta-feira, 9 de abril de 2021

“Nós não temos parasitas!”

Foi com essa exclamação eloquente que minha mente borbulhou de ideias para projetos de pesquisa aqui na América. Precisamente, depois que ele ouviu minha resposta.
Tatiani V. Harvey
Médica Veterinária
Doutora em Ciência Animal com ênfase em Doenças Parasitárias
Especialista em Clínica de Pequenos Animais
Colaboradora do One Health Institute Heukelbacha
Para inteirar você dos fatos, conto como nossa conversa amigável começou: estávamos comentando sobre a minha vinda para os EUA e sobre como eu estabeleceria minha carreira como pesquisadora por aqui. Refletimos sobre os tempos difíceis, a competição com os profissionais nativos, as oportunidades... E foi quando eu afirmei que, na minha área, há muita pesquisa e ser desenvolvida, e, sorrindo, contei que pesquiso parasitos e doenças parasitárias, que essa frase ecoou em cada canto do local onde estávamos. Fiquei perplexa.
Meu primeiro reflexo saiu da minha boca: Com você sabe que não tem parasitos no seu intestino, por exemplo? Foi a vez da perplexidade dele. Então, primeiramente, salpiquei o ambiente com perguntas que, felizmente, não o deixaram de mau humor. Mas, que estavam rompendo o escudo criado pela ideia de que americanos são intocáveis, limpos, sadios. Abri a porta da vulnerabilidade, e a vaidade se perdeu no reflexo do espelho dos fatos.
Falando em fatos. Eis aqui alguns dos quais discutimos. No período de 2012 a 2017, houve mais que cem surtos de giardíase distribuídos entre 26 dos 50 estados americanos. Giardia é um parasita intestinal que causa diarreia, e a infecção traz sérios prejuízos ao desenvolvimento de crianças e complicações à saúde de indivíduos imunossuprimidos, especialmente. Conforme o CDC, 5% dos americanos estão infectados por Toxocara, um parasito intestinal que pode migrar para outros órgão internos, como os olhos, causando as doenças chamadas Larva migrans visceral e Larva migrans ocular. Isso significa que há mais de 14 milhões de pessoas infectadas. Estima-se, também, que a Toxoplasmose, transmitida através das fezes de felinos infectados, acometa 11% dos américas, o que quer dizer quase 29 milhões de pessoas. Enterobius vermiculares ou oxiúrus, causador da famosa enterobiouse ou oxiurose, é o parasita intestinal mais prevalente entre os americanos. E são as pessoas as únicas que podem transmitir a doença. Pense!! O protozoário Crytosporidium, outro importante agente causador de diarreia, causa diversos surtos pelo país, seja através das piscinas, dos chuveirinhos das praças, da comida, do leite, da água.... E da mesma forma acontece com uma infinidade de outros agentes. Então, o fato é que americanos tem parasitoses sim, meu amigo! Mas, isto não é motivo de vergonha. Afinal, parasitas não escolhem hospedeiros por sua classe social, ou nível de desenvolvimento de um povo. A verdade é que eles estão entre nós.
Obviamente, condições sanitárias precárias aumentam o risco de acometimento por estes agentes. Mas, doa a quem doer, hábitos de higiene precários, também. Outra verdade é que grande parte dos americanos costuma comer fora, ou comprar suas refeições para consumir em casa. Já perguntei aos meus parentes daqui se eles confiam nas saladas que compram nos supermercados, se confiam no processo de lavagem que é feito nestes estabelecimentos, e nos restaurantes. A maioria responde que aqui tudo é muito limpo, assim como todas as etapas do processo que passa a refeição que é vendida. Será? Por que há tantas infecções, então? Bem, no país em que as pessoas mais aprendem na internet, este tema, com certeza, não aguça a curiosidade de ninguém. Será que é por que ninguém quer descobrir problemas de saúde e, assim, fugir do roubo que é valor cobrado em consultas médicas e quaisquer outros procedimentos de saúde? Essa é uma realidade por aqui.
Então, conterrâneos brasileiros, apesar de hospedarmos parasitas, também, fico feliz em saber que a nossa ficha já caiu faz tempo. E pasmem! A ficha não caiu nem para a ex-pediatra, americana, dos meus filhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário