Entrevista especial com José Carlos Moreira
No que se refere à responsabilização pelos crimes cometidos pela ditadura militar, "o problema maior não é a Constituição em si, mas a disputa pelo seu sentido. Caso houvesse um consenso político maior sobre a necessidade de se responsabilizar os crimes cometidos pelos agentes da ditadura, a Constituição poderia servir tranquilamente de base para isto", constata o doutor em Direito.
“O que o Brasil hoje é em termos políticos e institucionais, bem como as suas possibilidades para o futuro, deve-se obviamente à sua história e ao seu passado de lutas, conflitos, conquistas e vilanias”, sustenta o professor José Carlos Moreira Filho, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ao contrapor a ideia de que o povo brasileiro é acomodado em relação às questões políticas.
Em seu resgate da história brasileira, o professor aponta para pistas de como o regime de exceção acabou deixando marcas em nossa Constituição e de como a violência se mantém nas relações em sociedade.
“É evidente, assim, que a violência brasileira, espalhada nas relações sociais e fortemente atuante no modus operandi das forças repressoras do Estado, não é algo que tenha se originado na ditadura civil-militar instaurada em 1964, ela vem de muito antes. Por outro lado, a última ditadura contribuiu significativamente para introjetar capilarmente na cultura e no funcionamento das nossas instituições práticas sistemáticas de tortura, assassinato e desaparecimentos forçados e influenciou fortemente a consolidação de uma legalidade autoritária que até hoje se mantém entre nós", argumenta.
José Carlos Moreira Filho considera que há um núcleo na identidade de nossa Constituição que se refere ao reconhecimento e repúdio das práticas de violência correspondente aos períodos repressivos. Nesse sentido, aponta o trabalho do Projeto Brasil Nunca Mais, como uma experiência positiva e que permite manter a história política do país viva. “É também muito instrutivo o exame dos documentos judiciais organizados pelo Projeto Brasil Nunca Mais, hoje disponíveis em ambiente virtual em sua integralidade, graças à recente digitalização que foi feita em projeto apoiado pela Comissão de Anistia”, avalia.
José Carlos Moreira Filho é mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina —UFSC, doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná — UFPR. Atualmente é professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul — PUCRS, Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; Membro-Fundador do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição — IDEJUST.
José Carlos Moreira participará do ciclo Constituição 25 anos: República, Democracia e Cidadania, proferindo a conferência "O direito e a memória no Brasil a partir da Constituição Federal 88", no dia 6 de novembro, às 20h, na Sala Ignacio Ellacuria e companheiros, no IHU.
Confira a entrevista: