Campo de Libra, cujo volume de óleo já foi testado e quantificado, será transferido ao capital internacional. País deixa de arrecadar mais recursos para o Fundo Social do pré-sal.
O governo brasileiro está perto de repassar para empresas estrangeiras uma das mais importantes descobertas no setor energético das últimas décadas. O campo de Libra, na camada pré-sal, bacia de Santos, é simplesmente a maior reserva de petróleo confirmada no Brasil. Possui entre oito e 12 bilhões de barris de óleo. Há quem estipule um rendimento de até 15 bilhões, o que superaria o volume de reservas já provadas em toda a história do país.
Essa grandeza deverá ser leiloada daqui a menos de um mês, no dia 21 de outubro. Ao todo, concorrem 11 petroleiras, inclusive a própria Petrobras, e gigantes como a China National Corporation (CNC), Shell, Repsol eEcopetrol.
Outra novidade é que será o primeiro leilão do petróleo sob a lei 12.351/2011, que criou o sistema de partilha de produção do petróleo, em que há maior controle e arrecadação do Estado. Nesse modelo, a Petrobras entra com participação obrigatória em pelo menos 30% da reserva. Porém, movimentos sociais e organizações de trabalhadores de todo o país se movimentam contra o leilão de Libra, por considerarem área estratégica e de relevante interesse público.
“É incomum leiloar reservatório com enorme potencial e razoavelmente conhecido. Nesse caso, trata-se de leilão do petróleo, não é leilão de um bloco onde pode haver petróleo, ou há probabilidade de existir. É leilão de um petróleo que não foi extraído, mas se sabe onde está. Esse tipo de absurdo só ocorre em países dominados militarmente”, criticou Paulo Metri, mestre em engenharia industrial pela Georgia Institute of Tecnology (EUA), e um dos maiores especialistas do país no tema.
Paulo participou, na última semana, de audiência pública no Senado Federal, convocada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Na ocasião, o governo federal não enviou representante para discutir o tema.
O campo de Libra está afastado 138 km do litoral brasileiro. É menos da metade da distância de Tupi, que tem entre 5 a 8 bilhões de barris de reserva e fica a 300 km da costa. “Esse campo [Libra] tem petróleo da melhor qualidade, é quase um óleo refinado, e vamos colocar nas mãos das multinacionais?”, questiona Abílio Tozini, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Especialistas consideram que essa área tem as características para ser decretada como estratégica, em que a União é obrigada a contratar diretamente a Petrobrás, sem leilão, para operação total da reserva.
A justificativa está no inciso V do artigo 2º da própria lei 12.351, em que área estratégica é descrita como “região de interesse para o desenvolvimento nacional [...], caracterizada pelo baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos”. Para Paulo Metri, são requisitos mais do que evidentes.
“Parece que quem redigiu a lei estava se referindo justamente ao campo de Libra”, aponta. Apesar disso, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) vai levar adiante o leilão. Em resposta ao Brasil de Fato, a assessoria do órgão se limitou a dizer que a Resolução 4/2013 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autoriza a medida. Porém, a resolução não faz menção a nenhum tipo de avaliação sobre características tão fascinantes do campo de Libra, que poderia ensejar outra decisão para a reserva.
Fundo Social e royalties
A realização do leilão em vez da contratação direta da Petrobras também pode implicar em menor arrecadação de royalties e recursos para o Fundo Social do pré-sal, afirmaram especialistas na audiência do Senado. O Fundo Social é poupança pública criada para atender o desenvolvimento do Brasil em áreas estratégicas como saúde, educação, ciência e tecnologia, meio ambiente e redução da pobreza.
O percentual oferecido é sobre o montante de óleo líquido, ou seja, descontado os custos de produção, normalmente em torno de 40%. Estimativas do governo apontam que o mínimo arrecadado seria de 41% do total de óleo líquido.
Para Fernando Siqueira, diretor da Associação de Engenheiros da Petrobrás (Aepet), em nenhuma simulação esse valor tende a se confirmar. “Ainda que o consórcio vencedor ofertasse 80% de óleo líquido, o que é muito improvável, a União chegaria, no máximo, a 36% de arrecadação”, explica.
Outro estudo citado por Paulo Metri compara os cenários em que a Petrobras é única controladora e o leilão. No primeiro caso, a União poderia arrecadar para o Fundo Social cerca de 247 bilhões de dólares, enquanto com o leilão, a empresa ganhadora ofereceria, na melhor das hipóteses, um valor de 128 bilhões de dólares ao Fundo.
O cálculo do governo é imediatista, afirma Paulo Metri. Isso porque uma das principais exigências do leilão é o pagamento, pelo consórcio vencedor, de 15 bilhões de dólares, a título de bônus de assinatura.
“Há uma clara troca de recursos de médio e longo prazo para os de curtíssimo prazo”, aponta. A pressa tem a ver com a necessidade de economizar recursos a fim de garantir superávit primário.
Qual modelo?
Para além do debate econômico e sobre o quanto se pode arrecadar, os trabalhadores na área do petróleo querem discutir o modelo de exploração do setor. Abílio Tozini, da FUP, cita o caso norueguês. A empresa estatal Statoil opera 100% das reservas de petróleo do país.
“Os próprios trabalhadores cuidam da gestão e há vários anos não há registro de acidentes na exploração. Porém, essa mesma empresa opera campos de petróleo aqui no Brasil e submete trabalhadores terceirizados a situações degradantes. É essa a diferença quando nós queremos que seja a Petrobras, que nós temos direito como sindicalistas estar lá questionando, acompanhado, exigindo rigor na segurança, saúde, meio ambiente”, afirma.
O sindicalista explica que os sindicatos dos petroleiros sequer conseguem fiscalizar condições de trabalho em plataformas operadas por consórcios estrangeiros. Além disso, a presença de capital estrangeiro nos campos do pré-sal pode comprometer a cadeia produtiva nacional ligada ao petróleo. Mesmo com a exigência de percentuais de conteúdo nacional, é a Petrobras a principal e, talvez, única indutora desse desenvolvimento. Entre 2011 e 2012, a ANP aplicou recolheu mais de 36 milhões de reais em multas pelo descumprimento das cotas de conteúdo nacional.
“Ora, se for um consórcio chinês o vencedor, é claro que eles vão querer contratar trabalhadores chineses, embarcações chinesas para operar o campo”, critica Tozini. Ele lembra ainda que as mais de 60 plataformas construídas no Brasil foram obra da Petrobras e da estatal venezuelana PDVSA.
“A lei de leilões está em vigor desde a primeira rodada, em 1999. Nenhuma empresa estrangeira comprou sequer uma plataforma no país. As grandes compras e o desenvolvimento tecnológico no país são contratados pela Petrobras. Por que desperdiçarmos essa chance mais uma vez?”, pergunta Paulo Metri.
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